Amanda Carneiro
Feature

1 curadorx 1 hora

Paula Nunes
1 Jul 2021, 4:09 pm

Como começa o trabalho de um curador? O encabeçamento de um trabalho curatorial pode ser muito diferente para cada curadorx, e é profunda e intimamente afetado pela forma como é inaugurado, seja seu princípio em uma história, pesquisa ou lugar.

O papel do curador nasce associado ao crescimento do mercado de arte, tipicamente concentrado em grandes centros urbanos, econômicos e culturais. Por isso, sabendo do risco que o estudo de curadoria corre de se limitar a tipos culturais e zonas políticas específicas, é tão necessário expandir os olhares sobre a figura curatorial, para que seja possível identificar as nuances e as diferenças mais gritantes entre regiões e práticas artísticas-curatoriais.

Eis a importância do projeto criado há cerca de um ano, por Raphael Fonseca, “1 curadorx, 1 hora”. Com passagens curatoriais em instituições como o MAC de Niterói e também professor do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, Raphael Fonseca chegou ao fazer curatorial pela pesquisa e escrita de arte, inicialmente clássica e renascentista e, posteriormente, contemporânea. Considera seu percurso múltiplo, e declara ter um interesse “trans-histórico” por curadoria. Faz todo sentido que, desse desejo de entendimento das artes e da história de forma móvel e des-imbricada, irrompa o projeto “1 curadorx, 1 hora”.

"Nervo", 2021, Yuli Yamagata, MAC Niterói, Brasil

Na série, disponível no Youtube e no Spotify, Fonseca conversa com curadoras e curadores brasileiros (e estrangeiros que trabalham no Brasil) de diferentes regiões, gerações e práticas, dando visibilidade para a figura do curador, e fazendo o esforço fundamental de desermetizar o museu e a galeria. A troca aberta entre público interessado e curador permite um diálogo honesto que talha um caminho precioso da curadoria a muitas outras pessoas e deixa evidente que a pesquisa curatorial pode começar dos mais variados pontos

O primeiro episódio da série, no qual Fonseca conversa com Amanda Carneiro (curadora do MASP), é finalizado com desejos que compreendem a série como um todo: a curadora reforça a importância de que as pesquisas e curadorias sejam orientadas por olhares que, múltiplos, alcancem temas mais abrangentes e cheguem a públicos mais amplos. O desejo de Raphael Fonseca é o aprendizado. Isso resulta na evidenciação de um universo cada vez mais plural do ofício curatorial e na oferta de cada vez mais materiais de curadoria diversificada para o mundo das artes. Por isso o palco do projeto é tão grandioso.

"Sobre os ombros de gigantes", 2021, Galeria Nara Roesler, São Paulo
"Em colaboração com o sol", 2019-2020, Eduardo Navarro, MAC Niterói, Brasil

As ramificações desse tipo de esforço são melhor entendidas quando levamos em conta a origem do ensino de arte no Brasil. Para as práticas coloniais, esse ensino tinha sentido apenas nas regiões mais articuladas com a metrópole, por ser nos centros urbanos que o tradicionalismo pictórico europeu era ensinado nas Bellas Artes. Outras formas de arte que não guardam convenções da arte acadêmica e o figurativismo passaram a ser valorizadas bem mais tardiamente, já no final do século 19, quando o pictorialismo em si já era um conceito sendo questionado. É apenas durante o século 20 que a arte brasileira passa a se afastar da estética europeia, com revoluções não apenas nas artes visuais como também na música e na linguagem – a Semana Moderna de 22 é um exemplo cristalino do movimento da arte brasileira contra a tradição européia, e o fato de ter sido realizada majoritariamente por artistas, escritores e musicistas brancos de classe alta de São Paulo e Rio de Janeiro mostra também como ainda demoraria para o entendimento da arte brasileira como sendo de todo o país demoraria para se instalar. 

Tiago Sant'Ana
Amanda Carneiro
Ayrson Heráclito

Nesse sentido temos observado movimentos importantes das grandes instituições de arte em expandir o acesso do público à uma arte brasileira plural, como vemos em exposições como “À nordeste”, no Sesc, “Panorama de arte brasileiro: Sertão”, no MAM SP e, mais recentemente, “Véxoa: Nós Sabemos”, na Pinacoteca de São Paulo, que acompanhou a revisão de sua mostra de acervo. As mostras, porém, consistem em um produto finalizado sendo exibido para o público. Antes delas vem o extenso trabalho de mapeamento e pesquisa realizadas, por exemplo, por plataformas como o Projeto Afro que mapeiam curadores negras e negros e indígenas no território brasileiro. A pesquisa de Fonseca é um passo essencial para o mapeamento não apenas dos diferentes perfis de curadores do país, mas também do cenário de prática e pesquisa artística em cada uma dessas regiões, tão diferentes entre si. 

Fonseca mantém uma tradição nos vídeos de dar a palavra à convidada ou convidado para que se apresentem, o que é, além de prático, simbólico: da mesma forma que a demanda por novos registros de arte cresceu, a prática curatorial e o estudo de curadoria também se revigoram, e passam a crescer sobre a infraestrutura da variedade regional, prática e ideológica.

 

Aline Figueiredo
Fernanda Albuquerque
Dyógenes Chaves

Essa variedade de moldes e diferentes contatos com arte aparece notoriamente em “1 curadorx, 1 hora”. De maneira muito eufêmica, já são poucas as vezes em que o público tem a oportunidade de ouvir a fala de curadores e curadoras de Juiz de Fora, Salvador, Criciúma, da República Democrática do Congo, Cuba e Uruguai, em um intervalo de poucos meses. Nessas conversas, existe uma gama muito grande de diferentes começos de trajetos curatoriais. Aline Figueiredo (crítica de arte e fundadora da Associação Mato-Grossense de Artes) passou a se interessar por artes no interior do Mato Grosso do Sul, consequência da leitura de um livro de história da arte Impressionista; Fernanda Albuquerque (curadora e pesquisadora em artes visuais), em Porto Alegre, na escola, tendo aulas de artes com artistas plásticas; Dyógenes Chaves (artista visual e curador independente) via projetos educativos no Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba.

As possibilidades de abordagem da curadoria são extensas. Fonseca faz um trabalho enorme que, tendo começado – não por acaso – depois do trabalho na sala de aula, funciona como um veículo de diversidade, essencial na sua prática. Curatorial do começo ao fim, “1 curadox, 1 hora” exerce o que ele chama de “contaminação sadia”. A cuidadosa curadoria de vozes dá ao público a clareza sobre as diferentes formas que a curadoria pode assumir, sim, mas também mostra possibilidades de caminhos entre um curador e outrx e, com isso, faísca novos começos de curadoria, em ainda mais lugares, e, cada vez mais, sob novos nomes.

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