Editorial
Prêmio de Residência
Com trabalhos em múltiplas plataformas, artista Laura Belém comenta sua experiência na Delfina Foundation
Yasmin Abdalla
5 dez 2018, 12h15
Vencedora do último Prêmio de Residência SP-Arte, que oferece uma residência de três meses na Delfina Foundation (Londres), a artista mineira Laura Belém se prepara para voltar ao Brasil após passar pela experiência. Representada pelas galerias Athena (RJ), Celma Albuquerque (BH) e Luisa Strina (SP), ela compartilha como essa nova bagagem irá reverberar em sua produção – permeada, desde sempre, por diferentes plataformas tais como instalação, escultura e fotografia.
“O que me interessa não é a investigação de uma mídia ou técnica em particular, mas sim de conceitos que podem ser melhor explorados em determinadas plataformas, e por isso elas variam de acordo com a intenção de cada trabalho. Tenho um grande interesse por trabalhos no campo da escultura e da instalação, e por trabalhos site-specific; por uma prática que me permite envolver com o ambiente ao redor, com o contexto, com a cultura e história de um lugar”, reflete Belém.
Confira a entrevista completa:
Acima: "Enamorados" (2004), Laura Belém (Foto: Eduardo Eckenfels / Cortesia da artista)
Sua residência na Delfina Foundation se encerra no fim de dezembro. Já é possível dimensionar como essa experiência impactará seu trabalho daqui para frente?
A experiência na Delfina Foundation tem sido riquíssima e estou certa de que tudo o que estou vivendo aqui irá reverberar em meu trabalho por um longo tempo. O espaço de reflexão, interlocução e troca possibilitado pela residência é incrível. O fato de esta não ser uma residência voltada para a prática de ateliê e sim para a pesquisa, interlocução e networking tem me possibilitado espaço e tempo para refletir sobre a minha produção até hoje, para apropriar-me com mais vigor de alguns aspectos da minha prática e repensar outros aspectos; fazer anotações para projetos futuros, visitar exposições, assistir palestras, e vivenciar tudo isso junto aos outros seis artistas em residência.
Em vários momentos, tivemos que apresentar nossos trabalhos a críticos, curadores e outros profissionais da arte, através de pequenos recortes da produção. Isso nos fez articular melhor nossas pesquisas e também questionar certos aspectos da produção, entender outros pontos de vista (e suas nuances em cada cultura), e querer ir além da estrutura de trabalho desenvolvida até o momento; ou seja, sair da zona de conforto, expandir nossos conceitos e prática artística. Nesse sentido, tem sido um grande espaço de aprendizado, muito motivador. As vivências, anotações e novas percepções adquiridas aqui certamente irão se desdobrar e reverberar para além do período da residência.
O espaço ao redor costuma ser um aspecto importante em seu trabalho. Como foi essa experiência de imersão em uma nova cidade e novos locais?
Estar num local não-familiar, imersa numa outra cultura, encontrando novos lugares e pessoas de origens diferentes, é sempre uma experiência muito enriquecedora. Como falei, esta não é uma residência voltada para a produção artística, mas a estadia aqui tem me resultado super produtiva, na medida em que venho deixando-me influenciar por esse contexto e aprendendo com ele. Assim, mesmo que eu não esteja produzindo novos trabalhos, com freqüência ocorre que me deparo com algo que desperta a criatividade, e registro isso por meio de pequenas anotações, esboços ou fotografias.
Morei em Londres há dezoito anos, quando tive uma bolsa da Capes para um mestrado no Central Saint Martins College. Mas a experiência na Delfina tem sido bem diferente, em parte por eu estar mais madura e explorar a cidade com mais liberdade, visitar lugares não antes visitados, revisitar outros e perceber as mudanças ao longo dos anos, acessar coisas que me interessam, e procurar aproveitar ao máximo o período da residência. Este é também um outro momento da minha trajetória pois, quando vim para o mestrado, ainda não tinha um corpo de trabalho muito desenvolvido, estava começando. Nesse momento atual sinto que posso olhar pra tudo o que já fiz e delinear alguns outros caminhos que desejo percorrer.
Que elemento da residência mais te surpreendeu? Você poderia compartilhar algum artista/exposição que te chamou atenção durante esse período?
Poderia citar algumas coisas que me chamaram a atenção. Um deles foi o “Public and Thematic Programme”, da Delfina Foundation, – uma série de palestras, performances e rodas de conversa relacionados à exposição dos artistas Noor Afshan Mirza e Brad Butler, em cartaz na galeria que fica no subsolo da residência. Paralelamente à exposição, Noor e Brad convidaram artistas da área do teatro, artes visuais e literatura para dialogarem com o seu trabalho exposto e com questões relacionadas a gênero, poder e lugar. Todas as convidadas eram mulheres e apresentaram suas pesquisas de uma forma muito criativa, aberta e interdisciplinar, buscando a interação com o público presente. Dentro desse mesmo programa público, que tem como escopo geral o tema “Public Domain” [Domínio público], se inserem também as práticas dos sete artistas em residência, incluindo a minha, e em outras ocasiões fomos convidados a apresentar nossos trabalhos e expor o entendimento de “Domínio público” em nossas práticas.
Outras exposições que me chamaram a atenção: a do artista sul-africano Kemang Wa Lehulere na Marian Goodman Gallery, Anni Albers na Tate Modern, Mika Rottenberg no Goldsmiths Centre for Contemporary Arts e Doris Salcedo na White Cube.
Que dicas você daria para um artista que está prestes a ir para uma residência como a da Delfina Foundation?
Já participei de várias residências artísticas, em outras partes do mundo, e considero que a residência na Delfina Foundation é bastante única. Eu diria para vir aberto e disposto a apresentar e repensar o trabalho, aprender a articulá-lo melhor e ao mesmo tempo sair da zona de conforto, mergulhar nesse contexto cultural e no espaço de interlocução que a residência e a cidade oferecem. Não há um ateliê; cada artista tem o seu quarto com uma cama, armário e mesa. Por isso, não venha com a expectativa de produzir coisas que dependam de um espaço grande, mas use a casa e a cidade como o seu estúdio.
A cozinha compartilhada frequentemente se torna um local informal de conversas e trocas, ao lado de outras apresentações mais formais do trabalho, entre os residentes ou para visitantes convidados. E apesar de ser uma casa compartilhada, o quarto individual oferece o espaço de privacidade necessário. Não há nenhuma expectativa da Fundação em se produzir algo durante a residência; o tempo aqui pode ser bem aproveitado para a imersão na pesquisa e nas atividades que a cidade oferece, para networking, e para a reflexão de um modo geral. Portanto, não há cobrança de um projeto específico, mas a Delfina oferece todo o suporte para facilitar a pesquisa que o artista porventura deseje acessar ou desenvolver durante a sua estadia na cidade.
Em seu trabalho, você percorre diferentes plataformas. Como você chegou a essa diversidade? O que te interessa nisso?
Essas diferentes plataformas acontecem e se interceptam de uma maneira muito natural em meu trabalho. O que me interessa não é a investigação de uma mídia ou técnica em particular, mas sim de conceitos que podem ser melhor explorados em determinadas plataformas, e por isso elas variam de acordo com a intenção de cada trabalho. Tenho um grande interesse por trabalhos no campo da escultura e da instalação, e por trabalhos site-specific; por uma prática que me permite envolver com o ambiente ao redor, com o contexto, com a cultura e história de um lugar.
Num mundo saturado de imagens virtuais, sinto que o encontro com a obra de arte tridimensional possibilita experiências únicas de imersão e de ativação de vários sentidos para além da visão, como a escuta e o olfato, bem como o envolvimento do corpo na percepção e apreensão do espaço. O tridimensional me possibilita explorar uma relação dinâmica com o espaço e com o público. Sinto que, nas instalações e obras site-specific, posso trabalhar várias camadas de percepção e significado; explorar o contexto de um local como um ponto de partida e ao mesmo tempo construir novas ficções sobre ele, incorporar o acaso, projetar a minha imaginação e emoção. Penso que o artista deve ser livre para transitar entre plataformas diversas, mantendo, é claro, uma constante autoindagação sobre o seu trabalho. Esse modo interdisciplinar de trabalhar foi algo que comecei a aprender durante o meu mestrado no Central Saint Martins College, em 1999-2000, e que ainda estou desenvolvendo.
Como costuma ser seu processo de criação?
Em poucas palavras, diria que meu processo é dinâmico e sofre influências de várias áreas e situações que vivencio – algumas mais pessoais e outras na esfera pública – ou de coisas que me deparo ao acaso e que me chamam a atenção.
Acredito que tudo isso vai moldando a minha percepção do mundo e se desdobrando na criação. Para além das artes plásticas, sempre me interessei também pela dança e pela música. Pratico dança contemporânea como uma forma de autoconhecimento e afinação da percepção espacial e do contato com o outro, mas nunca apresentei em público e por enquanto não tenho intenção em fazê-lo. Não tenho uma formação musical profunda, apesar de ter estudado um pouco de piano na adolescência e sempre me interessar por música e arte sonora. Gosto de cantar e isso é algo que gostaria de estudar e desenvolver mais.
Recentemente, você foi à Alemanha para uma pesquisa de um futuro projeto. Já é possível compartilhar algo?
Sim, esse projeto ainda está amadurecendo mas posso compartilhar que fui convidada para criar uma escultura para um parque na Bavária. Fiquei muito feliz com o convite, pois será o meu primeiro trabalho permanente para o espaço público.
#respirearte
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