O repórter João Perassolo faz um panorama da fotografia brasileira por obras apresentadas nesta edição da Feira

22 ago 2019, 15h33

Por João Perassolo

 

Quem passeia pelos corredores da SP-Foto encontra um panorama de nove décadas de fotografia brasileira: a 13ª edição da Feira apresenta trabalhos que cobrem um arco temporal de 1930 até hoje.

As imagens, em sua maioria de fotógrafos consagrados, mas com algum espaço para nomes em ascensão, dialogam com questões do presente —como a Amazônia e a cracolândia paulistana — e também se voltam à documentação de populações que, historicamente, viveram às margens, a exemplo das garotas de programa.

Há também lugar para que a fotografia reflita sobre si mesma, em trabalhos que exploram os limites do conceito da linguagem enquanto registro de uma imagem.

Talvez a foto mais antiga em exposição seja uma cópia assinada de “Abastecimento de carvão de um navio”, do franco-brasileiro Pierre Verger (Galeria Marcelo Guarnieri). Munido de uma Rolleiflex, o etnólogo fez a imagem no Porto de Said, no Egito, em 1934, anos antes de produzir as suas conhecidas fotos do mercado Modelo, em Salvador.

Outro francês que fixou residência no Brasil, Jean Manzon atuaria a partir dos anos 1940 como fotojornalista para o presidente Getúlio Vargas e para a revista “O Cruzeiro”. Com suas imagens, foi um dos primeiros a mostrar ao mundo aldeias indígenas praticamente isoladas do Alto Xingu. Uma extensa série destas fotografias vintage, algumas em preto e branco e outras em sépia, está exposta no espaço da Almeida e Dale + Leme A/D.

As populações indígenas, que têm tido exposição frequente no noticiário este ano por questões relativas à demarcação de suas terras, também são objeto de Sebastião Salgado (Galeria Mario Cohen), o nome mais conhecido da fotografia brasileira no exterior. No final dos anos 2000, ele retratou em preto e branco cristalino os índios Zo’é, um dos últimos povos “intactos” da Amazônia.

A maior floresta tropical do mundo é também tema para o jovem talento Luiz Maudonnet (Arte Hall), de 25 anos: ele registrou o “ritmo lento da passagem do tempo amazônico”, como disse em uma entrevista, ao fotografar crianças que vivem hoje às margens do rio Amazonas.

Garotos e garotas ribeirinhas aparecem ainda em uma série de imagens das décadas de 1980 e 1990 do veterano paraense Luiz Braga (Galeria Almeida e Dale + Leme A/D). Ele limita seu escopo a Belém, no Pará, em retratos que “celebram o cidadão anônimo que ali vive”, nas palavras do curador Rubens Fernandes Junior.


O Brasil urbano também tem espaço na Feira.

O Parque Ibiraquera, em São Paulo, aparece nos cliques de Carlos Moreira —que está com uma retrospectiva em cartaz no Centro Cultural Porto Seguro— expostos na Utópica. Há uma série de imagens dos anos 1970 em pequeno formato, ampliadas pelo próprio fotógrafo, que mostram um olhar sensível para os rapazes da época, como um Alair Gomes menos erotizado. “A cidade é meu estúdio, preciso descobri-la e vivenciá-la”, disse em entrevista recente para o jornal O Estado de S. Paulo.

Uma parte mais dura da cidade está na série inédita “Fissura”, de Guilherme Christ (Arte 57), sobre os usuários de droga da cracolândia paulistana. “Para mim, as rachaduras presentes nas antigas construções do antigo bairro luxuoso têm as mesmas origens das feridas abertas nas peles das milhares de pessoas que por ali circulam diariamente em um transe químico na busca por crack”, diz o fotógrafo sobre as imagens registradas este ano.

Outro grupo social estigmatizado, as prostitutas, foi registrado com a Leica de Flávio Damm, um dos nomes fundamentais do fotojornalismo nacional. Entre janeiro e fevereiro de 1966, o gaúcho fotografou garotas de programa no centro de Salvador. “Respeitei suas intimidades e me reservei ao modo de viver das moças, a hora do penteado, da maquilagem, do encantamento com a melhor roupa”, disse, em uma entrevista à época em que as imagens foram expostas no Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira, em Salvador. Uma imagem desta série está exposta na Galeria Marcelo Guarnieri.

A SP-Foto destaca ainda artistas que trabalham com experimentações a respeito do fazer fotográfico. É o caso da veterana mineira Ana Maria Tavares, que apresenta na Vermelho uma “fotografia” bordada com filamentos metálicos do mármore de Travertino, uma das pedras mais usadas na arquitetura, da Roma antiga até hoje. A obra, realizada no ano passado, revela as impurezas de um material tido como nobre e elegante.

Finalmente, Ana Vitória Mussi traz para a Lume duas obras da série “Negativos | Tua imagem”, pesquisa que fez entre 1978 e 2004 com negativos fotográficos. Os trabalhos da catarinense são compostos de películas 35mm, o que confere ao próprio suporte da imagem fotográfica um novo significado. Neste caso, ele não “fotografa”, mas vira material físico de uma obra.


Sobre o autor

João Perassolo é repórter do caderno Mundo da Folha de S.Paulo.

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