Com o Instagram, elementos e técnicas antes restritos aos profissionais foram adaptados para o alcance de todos. Saiba mais sobre!

12 set 2018, 12h09

por Mariana Musse

 

Olhos vidrados na tela do celular, precisão na ponta dos dedos para posicionar o coração em cima do prato de comida… filtro New York, Tokyo ou Rio de Janeiro? Se nada disso faz sentido, é provável que você não seja um heavy user do Instagram. Lançado em 2010, o aplicativo conta, oito anos depois, com mais de 800 milhões de usuários cadastrados no mundo – 50 milhões no Brasil. Em 2012, o Facebook comprou a rede por 1 bilhão de dólares. Hoje, já é avaliada em mais de 35 bilhões.

Lugar de praticar o voyeurismo, de entrar na vida do outro sem pedir licença. Espaço de se vender, também. Com comunicação veloz, atualizações e lançamento de novas ferramentas, o Instagram entrou na pauta das discussões sobre a produção de imagens na contemporaneidade. Por meio da rápida interação entre usuários, deixou de ser uma rede social apenas para diversão, tornando-se estratégia de marketing e vitrine para marcas e profissionais de diferentes segmentos, de fotógrafos a cientistas. Para se destacar no meio da multidão, é preciso ser criativo, entreter seus interlocutores e engajá-los. Essas necessidades têm levado à criação de novas linguagens visuais.

A imagem é protagonista da comunicação no contexto digital. A instantaneidade do processo fotográfico, as novas formas de arquivamento e a edição rápida de imagens conferem um outro significado para a função da fotografia na atualidade, para além de guardar lembranças. Somam-se a isso o acesso democrático à internet, o surgimento de novos processos de interação e a consolidação das redes sociais com a web 2.0.

Segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, vivemos uma “modernidade líquida”, na qual tudo é temporário e efêmero, por não se fixar. Não há mais qualquer enraizamento, pois tudo pode ser desmontado a cada momento. Ao mesmo tempo em que as redes seguem a ideia de liquidez identificada por Bauman (através do grande fluxo de informação contida e atualizada nos feeds), percebemos que os usuários têm a necessidade de buscar referências e identidades, construindo narrativas para si e criando vínculos nessa nova forma de sociabilidade. A fotografia também serve como linguagem visual para a construção dessas personalidades.


Voltemos no tempo para destacar momentos nos quais o avanço da tecnologia impactou a relação dos sujeitos e a produção de imagens. Quando a Kodak lançou suas primeiras câmeras com rolo de filme, no final do século XIX, era difícil imaginar como esse produto se tornaria tão presente na vida das pessoas.

Segundo os pesquisadores Kamal Munir e Nelson Phillips, a Kodak foi responsável, através de suas propagandas, por criar a necessidade de fotografar. Batizados, festas de aniversário, viagens, casamentos – a vida comum e familiar ganhava um registro para ser lembrada no futuro. Assim se construiu o “momento Kodak”: registros felizes do cotidiano caseiro e familiar.

Com o slogan “you press the button, we do the rest” [você aperta o botão, nós fazemos o resto], a Kodak descomplicou o universo técnico da fotografia, se encarregando do processo de revelação. Com preços acessíveis, discurso direto sobre a fotografia, e graças à maior portabilidade das câmeras, o ato de fotografar se democratizou. A partir da década de 1950, a Polaroid fez sucesso entre os jovens quando lançou as primeiras câmeras com revelação instantânea.

Avançando algumas décadas, chegamos ao ponto de virada na história da produção de imagens por não profissionais: a consolidação da tecnologia digital. Em 2000, a Sharp começou a vender celulares com câmeras fotográficas. Apesar da baixa qualidade das imagens e das limitações de armazenamento, esse feito inaugurou uma nova era para a produção de imagens. Isso se deve a uma razão peculiar: como o celular é um aparelho individual, as câmeras passam a ser também individuais. Alguns anos mais tarde, a conexão sem fio transformou os celulares em smartphones.

É nesse cenário que surgiu o Instagram. O aplicativo, cuja primeira logomarca remete à Polaroid e sua instantaneidade, transformou o universo fotográfico como fez outrora a Kodak. O compartilhamento de fotos, a edição de imagens fácil e intuitiva, bem como os filtros que remetem a características de filmes da fotografia analógica foram importantes inovações que o posicionaram nesse lugar de destaque.


Após algumas atualizações, o Instagram incorporou ferramentas mais técnicas para a edição de imagens. Como as fotografias feitas com celulares têm baixa qualidade e limitações quanto à fotometragem, por exemplo, esses diferentes looks conseguem maquiar alguns defeitos da foto original. Além de aplicar filtros, tornou-se possível editar o contraste, a saturação, a tonalidade, as sombras etc. O sujeito comum passa a editar suas fotografias de forma descomplicada, sem a necessidade de conhecimentos técnicos aprofundados. Diferentemente do discurso da Kodak, que colocava a empresa como responsável pela revelação das imagens em seus laboratórios, o Instagram oferece ao usuário uma espécie de laboratório fotográfico ao toque do dedo.

A pesquisadora da cultura digital Jill Rettberg investiga o uso de filtros nas imagens contemporâneas. Ela reflete sobre como a cultura digital nos disponibilizou ferramentas para transformar o cotidiano em algo mais belo e incrível, a ser compartilhado. A partir do uso desses looks, estaríamos “filtrando” elementos da própria foto: destacando alguns, escondendo outros, transformando a imagem em algo mais interessante do que a realidade. Além disso, Rettberg argumenta que o uso desses filtros talvez desfamiliarize os registros, tornando-os novos e atraentes para o autor do clique, já habituado àquele cenário cotidiano. Ou seja, os filtros ajudariam a transformar o dia a dia em algo espetacular. Eles também servem para causar sensações a partir de suas cores: é possível utilizar looks mais luminosos, vintage, preto e branco etc; cada um deles gera uma sensação diferente em quem os vê.

Em agosto de 2016, o Instagram lançou uma nova ferramenta de comunicação dentro do aplicativo: o Instagram Stories. São duas as características marcantes desse dispositivo: o tempo em que a postagem fica acessível (apenas por 24 horas, depois ela some) e a quantidade de recursos para manipulação da imagem original. São disponibilizados pincéis (que lembram o antigo Paint), fontes para texto, GIFs, máscaras para o rosto, emojis, além dos filtros. É uma ferramenta divertida, com a qual o usuário customiza a fotografia ou o vídeo para engajar seus seguidores.


Observamos, mais uma vez, o Instagram reinventar e utilizar recursos de outros tempos. Vamos para o outro lado do mundo, onde nos anos 2000 ficaram muito populares, no Japão, as photo booths (cabines de fotos instantâneas). Lá receberam o nome de purikura. As fotografias eram tiradas, editadas e impressas dentro da cabine. O sujeito, então, manipulava as imagens acrescentando textos, emojis, filtros, cenários e, inclusive, fazia mudanças no rosto dos usuários (era comum aumentar os olhos nas fotografias). Ao fim do processo, essas fotos eram impressas e guardadas em pequenos álbuns, dedicados a essa coleção. Se compararmos essas imagens ao que encontramos no Stories, veremos uma grande semelhança nos recursos disponibilizados e na estética encontrada ao fim da manipulação.

Notamos ainda que a alteração feita no Stories tem um forte apelo à emoção que o usuário quer transmitir. Elementos como emojis, extremamente populares na linguagem da internet, são adicionados às fotografias e enfatizam sentimentos, possibilitando uma decodificação mais rápida ao substituir a mensagem textual. Vemos, por exemplo, uma série de fotografias que utilizam corações, seja em GIFs, em doodles (palavra que significa desenhos e rabiscos realizados por acaso) ou nos próprios emojis, para significar “amei”, “gostei”, “curti”. Ou seja, junto com a imagem, é descrita a emoção vinculada a ela, a partir desses outros elementos visuais.

O uso de outras linguagens concomitantes à fotografia potencializa a comunicabilidade da imagem. O Stories deixa de ser lugar apenas de divulgação de fotografias e passa a ser uma vitrine para entreter, divertir, vender produtos e contar histórias na rede. A foto, em muitos casos, é só a base para intervenções a partir de outros recursos visuais e sonoros. Uma narrativa fragmentada, que deve ser eficiente e criar relações com outros usuários, em questão de segundos – seja pela via do humor, do exagero nas intervenções visuais ou de textos (com a localização ou horário da foto, ou a menção a outros usuários). Portanto, a fotografia passa a carregar um duplo sentido referencial: registra o momento e torna explícita a percepção do autor.

No universo do Instagram, foram incorporados recursos estéticos e práticas relacionadas à fotografia analógica, em constante transformação. A imagem é utilizada para conectar. Seja para construir identidades, se comunicar, vender. Um diário de imagens, propositalmente aberto, onde se filtra, destaca e maquia a vida comum em busca de entretenimento e emoção.

 

Texto publicado na segunda edição da Revista SP-Arte, em agosto de 2018.

Mariana Musse é doutora em Comunicação pela Universitat Pompeu Fabra (Espanha) e autora do livro Narrativas fotográficas no Instagram: autorrepresentação, identidades e novas sociabilidades.

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