Editorial
Entrevista
Fotógrafos na linha de frente
SP–Arte
3 set 2018, 18h03
O exato momento em que um suicida radical explode, o desespero de um policial carioca gravemente ferido, a mãe que corre com a filha nos braços em meio a um bombardeio, dois meninos que se consolam ao ver a casa em escombros. Ter a dimensão do drama pelo qual passam populações no Brasil e no mundo é difícil quando se está longe e em segurança. Os fotógrafos Gabriel Chaim e Felipe Dana optaram por ver com os próprios olhos e captar em imagens a situação de locais onde ninguém gostaria de estar e de onde muitos não conseguem escapar. Nesta entrevista, eles contam o que os move e encoraja a arriscar a vida pela fotografia.
Houve momentos em que o risco era tão grande que você se questionou se valia a pena estar ali?
Felipe Dana: Vários. Ao fazer coberturas de risco, você está sempre procurando prever o que vai acontecer para tentar seguir o trabalho de maneira relativamente segura. Obviamente, prever o futuro é impossível, e várias vezes já estive em situações de não querer estar ali. O maior desafio nesse momento é conseguir fazer um bom trabalho e, ao mesmo tempo, se manter seguro.
Gabriel Chaim: Teve uma situação específica, quando dois suicidas do Estado Islâmico se explodiram a poucos metros de onde eu estava, em Mossul, no Iraque. Esse ataque provocou a morte de alguns soldados que eu acompanhava na incursão. Foi certamente o pior momento em todos esses anos cobrindo guerras. Apesar disso, nunca senti arrependimento, mas um medo iminente da morte. Quando você vai para essas situações, tem que aceitar que ali pode acontecer sua morte.
Acima: Série "Syria" (2013-2015), Gabriel Chaim (Foto: Cortesia do artista)
Durante a cobertura em uma região conflagrada, você já se viu vinculado emocionalmente ao drama de um personagem que você retratou?
FD: Em diversos momentos. Durante as coberturas, acabo passando muito tempo nos lugares. Quase nunca chego, fotografo poucos dias e vou embora. Às vezes, fico meses ou volto ao longo de anos para contar uma história. Então, acabo criando vínculos com as pessoas e também com os locais.
GC: O vínculo emocional acontece durante todo o momento em que você presencia o drama humano. Porém, ao longo dos anos, você vai se tornando mais profissional, aprende a dosar melhor o sentimento, mesmo em situações onde o caos tomou conta. Quem não está acostumado a lidar com essas situações de catástrofe ficaria muito mais abalado do que no meu caso. O desafio profissional é saber como contar aquela história sem fazer com que o lado emocional aflore muito.
No trabalho de um fotógrafo em regiões em conflito, existe um equilíbrio entre o valor da estética e a importância da denúncia numa foto? Como é possível que uma imagem de um ambiente desolador seja ao mesmo tempo bela?
FD: Como fotojornalista cobrindo conflitos, acredito que o mais importante é mostrar para o maior número de pessoas o que estamos presenciando em frente às câmeras. Nossa missão é denunciar os absurdos que vemos e não deixar que esses momentos sejam esquecidos ou que nada seja feito para mudar. A questão estética da fotografia em si é mais uma ferramenta para isso, algo que já está incorporado na maneira como vejo as coisas e trabalho. Não penso ou tento fazer fotos de conflitos belas, mas acredito que luz e composição se juntam ao acontecimento e ajudam a transmitir uma mensagem por meio da foto.
GC: Às vezes, você vê fotos belíssimas, porém sem história por trás; outras vezes vê fotos que não são tão belas, mas cuja história as transforma numa imagem incrível. Para mim, o mais importante é ter a história por trás da foto. Eu gosto de saber o que eu estou fazendo, quem são as pessoas em volta e o que está acontecendo. Depois vem a foto.
Na série Syria, você colocou personagens reais posando diante de um cenário desolador. Por haver aí uma intervenção, acredita que esse seja um passo além do trabalho como fotojornalista?
GC: Tudo o que mostro é real. Este mundo que eu fotografo é muito mais real do que aquele onde vivo quando não estou trabalhando. Sou um contador de histórias, então tento captar esses personagens reais e colocá-los diante das lentes para que as pessoas os entendam. Costumo me deparar, por exemplo, com um médico ou professor que tinha uma vida normal e, de repente, passou a ter que pegar em armas ou fugir para outro país. Os personagens fotografados são pessoas reais como quaisquer outras.
Além dos conflitos internacionais, seu trabalho também está voltado para dramas brasileiros, como o dos dependentes de drogas e as guerras entre traficantes. Que semelhanças e diferenças você encontra ao fazer esses trabalhos aqui ou no exterior?
FD: Nasci e cresci no Rio de Janeiro e trabalhei por muito tempo cobrindo a violência urbana e os problemas em torno do tráfico de drogas na cidade. Posso dizer que a guerra não declarada entre polícia e traficantes pode ser facilmente comparada às guerras declaradas no Oriente Médio. Para mim, o ponto em comum mais importante é que, nesses conflitos, seja no Iraque ou no Rio, as maiores vitimas são os civis, que não têm nada a ver com a guerra e ficam presos no meio do fogo cruzado, muitas vezes perdendo a vida, seus filhos e parentes.
Texto publicado na segunda edição da Revista SP-Arte, em agosto de 2018.
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Gabriel Chaim é fotógrafo e cinegrafista especializado na cobertura de áreas de conflito e crises humanitárias.
Felipe Dana é fotojornalista, com experiência na cobertura de violência urbana em toda a América Latina e conflitos armados no Iraque.
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