Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)
Entrevista

Vou-me embora pra Pasárgada... de Cipis

Felipe Molitor
22 abr 2021, 15h07

Marcelo Cipis, ou apenas Cipis, é um artista fiel. Seu compromisso com o trabalho artístico é incansável, não há dia para Cipis que não seja dia de fazer arte. Ser um artista cotidiano, em que o ordinário do cotidiano vira arte, é uma das marcas mais lembradas de Cipis. Com seu estilo inconfundível, preciso e divertido, Cipis cria uma infinidade de obras em pintura, desenho, escultura, instalação, muitas vezes incorporando (ou revelando) faces de si nesse universo particular. O humor que permeia toda a sua prática não deixa de conter sabores variados, do doce ao amargo, mas sempre uma oferta generosa do artista para o mundo. 

Nessa vida de artista, temas legados pelo modernismo brasileiro e pelas vanguardas europeias muitas vezes informam a pesquisa de Cipis deglutidos e misturados com seu imaginário particular. Mesmo na simplicidade, Cipis busca o X da linguagem num cigarro magritteano, reflete sobre o significado da vida através das amebas e atinge o que há de metafísico em um ovo.

“Enjoy”, em cartaz na Galeria Bergamin & Gomide, reúne cerca de trinta pinturas inéditas de trinta anos de trajetória do artista. A mostra também marca a primeira individual do primeiro artista vivo representado pela tradicional galeria. Os textos da exposição são poemas escritos por Angélica Freitas a partir de conversas com Cipis e desdobrados diretamente de alguns trabalhos. Para quem visitar a galeria, vale a pena ouvir os poemas narrados com a voz marcante do artista. 

Para dar um mergulho a mais nesse mundo cativante, fizemos uma breve entrevista com Cipis, e apresentamos duas das poesias que compõem a mostra. Enjoy!

Acima: Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)

Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)

Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)

Elegantíase
por Angélica Freitas

tomara que você tenha muito sucesso
em sua carreira artística
não, verdade mesmo, tomara que você
seja muito bem-sucedido
sério, isto é o que eu desejo
que tudo de melhor suceda
no seu caminho como artista
meu objetivo deve ter ficado claro
a esta altura: externar meus melhores votos
de sucesso em sua poiesis
ora, vamos, como poderia ser irônico
numa hora dessas!
muito sucesso! muita felicidade!
e não sou só eu quem lhe felicita:
minha mulher, meus filhos
toda a turma do escritório, todo mundo
treze corações sincronizados batendo
nessa torcida para que você
tenha um verdadeiro e estrondoso
sucesso em sua carreira artística.

Marcelo Cipis, "Panda 2", 2019. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).
Marcelo Cipis, "Cipis Face", da série "Slices", 2020. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Panda 2", 2019. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Cipis Face", da série "Slices", 2020. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Felipe Molitor : Cipis, “Enjoy” é uma exposição ampla e inédita que, de certa maneira, repassa sua trajetória com a pintura. Que tipo de fases e técnicas experimentadas são mostradas? Você poderia comentar como é, na sua prática, transitar entre a figuração e a abstração? Como você pula de uma pra outra?

Marcelo Cipis : A exposição reúne pinturas de 1992 até hoje. Em 1992, logo após a 21ª Bienal de São Paulo, da qual eu participei com a instalação “Cipis Transworld, Art, Industry & Commerce”, parti para a pintura abstrata pela primeira vez, e desta vez um abstrato espontâneo, feito diretamente sem projetos a priori. As pinturas surgiram matéricas. Era uma maneira de se contrapor à explosão mental da instalação da Bienal. Era uma pintura pura. Posteriormente, em 1996 novas abstrações surgiram, agora geométricas, na série “Tambores”, totalmente planejada, quase uma terapia ocupacional, que têm alguns exemplos na exposição. São mostradas também pinturas figurativas mais recentes.

Transitar entre a abstração e a figuração é muito natural para mim. Não faço distinção conceitual. Tudo é pintura, e tudo é uma questão de realizar ideias, as mais díspares, através da pintura. Hoje faço algo geométrico e amanhã uma figuração narrativa. Para mim é normal, é como nossos estados emocionais, que variam dia a dia. A minha atração pela figura ou pelo abstrato muda diariamente. Confesso que sou um pouco ávido e atraído em percorrer diferentes linguagens na pintura, ao mesmo tempo.

Marcelo Cipis, "Tambor Laranja", da série "Tambor", 1996. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).
Marcelo Cipis, "Tambor Infinito", da série "Tambor", 1998. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Tambor Laranja", da série "Tambor", 1996. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Tambor Infinito", da série "Tambor", 1998. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Um dos logos da série "Cipis Transworld" (Foto: Spike Magazine)

Um dos logos da série "Cipis Transworld" (Foto: Spike Magazine)

FM : A “Cipis Transworld, Art, Industry and Commerce” é uma empresa adulta, com trinta anos de história. De que maneira esse trabalho, que é tão celebrado pelos seus fãs, o acompanhou ao longo dos anos? E como você o revisita nessa exposição?

MC : A “Transworld” surgiu em 1991, em São Paulo. Em 1992 e 1994 participei das Bienais de Havana com trabalhos relacionados a ela. Depois houve um grande vácuo, e a ideia da instalação ficou submersa, intocável. Ela ressurge só em 2016, com uma exposição na Spike Berlin, com curadoria de Tenzing Barshee e em 2017 no Instituto Tomie Ohtake com curadoria do Paulo Myiada. Brinco que a “Cipis Transworld” faliu e renasceu das cinzas. Acho que é um trabalho ainda possível de se desenvolver e é muito divertido pensar nessas possibilidades. Digamos que virou uma das marcas do meu trabalho.

A imagem do convite da exposição “Enjoy” (um rosto onde os órgãos sensoriais são as letras da palavra “cipis”) é uma pintura sobre papel feita em 2020. Mas essa ideia visual surgiu num grande relevo feito em compensado de madeira presente na instalação da Bienal em 1991.

FM : Hoje em dia, talvez não fosse mais uma multinacional mas uma startup, da qual você seria o CEO. O tema empresarial está enfadonho demais?

MC : Em 2016 criei a evolução do logotipo da “Cipis” ao longo dos anos. Dos anos 1940, 1950, 1960 , 1970 e 2000. Em 2000, através do logo, a empresa se transformou num conceito que chamei de Transasisação. Uma coisa meio Google, sei lá, uma coisa moderninha. Mas não fui muito adiante. Acho que o mais interessante da ideia é essa coisa retrô, meio “Brazil, o filme”, meio “1984”. Gosto muito do fato dela ser uma criação de outra realidade, muito diferente do nosso real. É utópica até as últimas. Tudo corre bem ali, é um paraíso.

Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)

Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)

Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)

Vista da exposição "Enjoy", em cartaz na galeria Bergamin & Gomide (Foto: Divulgação)

Marcelo Cipis, "Fantasia Finlandesa", 2020. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Fantasia Finlandesa", 2020. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

FM : Um dia, bem antes da pandemia, você se sentiu finlandês, e abriu uma série de trabalhos que refletem uma fantasia utópica com o país nórdico. Quais lugares, objetos e palavras surgiram na sua Helsinki particular?

MC : Esse também é um trabalho que busca “transportar” o espectador para outro lugar, que não a acidentada realidade. Brinquei de tudo, criei uma “abstração finlandesa”, baseada nas curvas criadas pelo arquiteto finlandês Alvar Aalto, de quem eu gosto muito, criei uma lojinha de meias em Tampere (cidade da Finlândia), um encontro em Helsinki, a prefeitura de Helsinki. Tudo sem nunca ter pisado na Finlândia. As palavras usadas nas pinturas são traduções para o finlandês que busquei no Google tradutor.

FM : “Olho Dada” é um trabalho que homenageia o artista Francis Picabia, que dizia “uma pintura Dada deve dar prazer para quem vê e para quem faz”. O que lhe deu prazer ao fazer essa obra?

MC : O fundo realizado com spray dourado foi bom de fazer e a composição é leve, e nesse caso misturei uma figura, que é o olho, e grafismos abstratos na mesma tela.

Marcelo Cipis, "Olho Dada", 2016. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Olho Dada", 2016. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

FM : Você está super in love com o sistema?
MC : Super, estamos em lua-de-mel.

Marcelo Cipis, "Retrato de um artista ignorado pelo sistema", 2015. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).
Marcelo Cipis, "Retrato de um artista Super in Love com o sistema", 2016. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Retrato de um artista ignorado pelo sistema", 2015. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

Marcelo Cipis, "Retrato de um artista Super
in Love com o sistema", 2016. Cortesia Bergamin & Gomide (Foto: Ding Musa).

FM : O que você pintou hoje?
MC : Hoje comecei uma pintura que apresenta duas pessoas entrelaçadas e uns tubos (cilindros), também uma figuração e abstração ao mesmo tempo.

(Fotos: Marcelo Cipis)
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(Fotos: Marcelo Cipis)

Ideias
por Angélica Freitas

tive uma ideia. espera:
plop plop, tive três!
como é que eu faço agora?
três ideias duma vez.
se anoto primeiro a última
a do meio quer atenção
de repente, a primogênita
se atira aos berros no chão.
tive três ideias. espera:
plop plop plop, tive seis!
duas correm pela casa
com meus lápis e pincéis
duas lambem o meu rosto
uma morde o meu queixo
a outra entrou no meu café
vou fazer o quê? eu deixo.
estão pensando que é fácil?
contem outra, por favor
as ideias subiram no teto
as ideias fizeram cocô.

Retrato do artista (Foto: Vicente de Mello).

Retrato do artista (Foto: Vicente de Mello).


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Felipe Molitor é jornalista e crítico de arte, parte da equipe editorial da SP–Arte.

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