Editorial
Entrevista
Residências digitais: Fernanda Brenner reflete sobre o módulo remoto do Pivô Pesquisa
Yasmin Abdalla / Barbara Mastrobuono
13 abr 2020, 16h45
Desde 2013, o Pivô, instituição cultural localizada no edifício Copan, no coração de São Paulo, promove o programa de residências Pivô Pesquisa. Focada na prática de ateliê e no acompanhamento de projetos, a iniciativa conta com a colaboração de um curador convidado e tem como objetivo criar um ambiente de experimentação, abrindo espaço tanto para períodos de pesquisa individual quanto para momentos de troca entre residentes e convidados.
No começo deste ano, o programa – assim como tantos outros pelo mundo – encontrou um obstáculo: como manter funcionando atividades tão calcadas no encontro em tempos de pandemia e isolamento social? Para resolver essa equação, o Pivô, sob direção artística de Fernanda Brenner, e a curadoria convidada, a plataforma digital aarea, conduzida por Livia Benedetti e Marcela Vieira, optaram por criar um módulo remoto do Pivô Pesquisa. A seguir, Fernanda Brenner comenta sobre os desafios de uma residência digital e os aprendizados que o mundo da arte pode levar desse momento.
Acima: Apresentação de portfólio dos artistas participantes do Pivô Pesquisa (Foto: Divulgação)
Quais desafios vocês estão encarando neste momento de isolamento social?
Fernanda Brenner: O primeiro grande desafio é a própria sustentabilidade da instituição. Estamos pensando muito em gestão e estratégias de sobrevivência neste cenário de incerteza absoluta. A reinvenção faz parte do dia a dia de projetos como o Pivô, e levando isso em conta, a nossa equipe tem pensando muito nas correlações possíveis entre o espaço físico e o online enquanto estamos fechados para o público. Nosso programa é muito baseado na ocupação do espaço físico do Pivô através de projetos pensados para este contexto, e também nos encontros presenciais entre artistas e com o público. Para nós é importante que a presença online da instituição seja um processo criativo em si – com ritmo próprio –, e não só uma transposição direta do conteúdo gerado no espaço físico para o digital.
Em entrevista com a aarea no site do Pivô, vocês mencionam que pareceu um “golpe de sorte” que o programa de residência deste ano tenha sido pensado em conjunto com uma plataforma que, há algum tempo, explora o meio digital como possibilidade curatorial. Como foi a decisão de tornar remoto este módulo?
FB: Sem dúvida, o fato de já estarmos trabalhando com curadoras com experiência no meio digital pesou bastante na decisão de seguir adiante com o primeiro ciclo de residências do Pivô Pesquisa. Estamos aprendendo muito com esta troca de experiências. Suspendemos as atividades presenciais do Pivô muito pouco tempo depois de os artistas começarem a trabalhar no espaço, eles mal haviam se instalado nos ateliês quando foi decretada a quarentena. Junto com a aarea, optamos por testar esta nova modalidade de residência e convidamos os artistas a seguir conosco neste experimento online. Felizmente, a grande maioria topou continuar (alguns escolheram adiar o seu ingresso no programa) e convidamos mais alguns artistas para fechar o grupo. Estamos encarando esta experiência como uma espécie de piloto. A troca entre artistas e curadores tem sido muito positiva, e já estamos trabalhando com a possibilidade de manter parte do programa Pivô Pesquisa online.
Como você enxerga o movimento para o virtual que diversas residências estão tomando neste momento?
FB: Acho que são duas maneiras diferentes de pensar programas de residência e que podem ser muito complementares. Como disse acima, o espaço físico, a produção compartilhada e o encontro presencial são a base de quase tudo o que fazemos no Pivô. O Pivô Pesquisa parte da experiência da produção artística compartilhada, é muito focado na prática de ateliê, e hoje as circunstâncias nos obrigaram a rever isso, o que tem sido muito interessante. Eu acho que o online pode se somar à experiência da residência no espaço físico, e não ser somente um paliativo. É uma ferramenta importante para criar intercâmbios internacionais e para a ampliação do alcance do conteúdo gerado no contexto da residência. Fizemos recentemente a primeira atividade pública da residência – uma fala com a artista Flora Leite pelo zoom –, e o resultando foi muito interessante. Tivemos um público 100 pessoas (lotação máxima permitida pela plataforma), de várias partes do Brasil, o que dificilmente aconteceria no espaço físico.
E como esse movimento se enquadra em um panorama maior de colaboração artística e novas formas de produção? Você acha que isso irá se manter pós-crise COVID-19?
FB: Com certeza teremos um novo cenário artístico depois de passada a pandemia, em que muitas coisas serão necessariamente revistas, como a circulação internacional, a escala de produção e o papel das instituições e das galerias comerciais. Como se darão as relações profissionais e quais serão as possibilidades de colaboração, depende muito do que encontrarmos do outro lado. Espero que o foco esteja mais na ética das relações de trabalho e na consistência do conteúdo produzido, para além da velocidade da entrega e da corrida pela visibilidade da produção artística. Eu tenho prestado bem mais atenção em iniciativas artísticas pensadas especialmente para internet – o que nunca foi o meu foco de interesse e pesquisa – e acho que este tempo de reclusão fará com que todos os agentes do setor e o público se familiarizem mais com essa linguagem. Isso sem dúvida gerara conteúdos e discussões interessantes, dentro e fora da internet.
Quais os principais desafios em desenvolver uma residência online? Como o Pivô e a aarea vêm trabalhando para viabilizar esse projeto?
FB: Entendemos rápido que a discussão online pode ser bastante objetiva e focada. Nesta primeira experiência, a qualidade da interlocução tem sido muito boa, tanto nas atividades fechadas para o grupo quanto nas abertas ao público. Curiosamente, tivemos mais interação do público nessa primeira palestra online do que nas presenciais, talvez as pessoas se sintam mais à vontade para perguntar desta maneira. No entanto, no online é difícil manter a fluência e a espontaneidade dos encontros presenciais, especialmente as visitas de ateliês em que o encontro físico com o que está sendo produzido é muito importante. Também há menos interação não mediada entre os participantes, algo que considero uma parte importante do processo da residência. O ritmo é muito diferente nas duas modalidades, e nosso desafio tem sido pensar em como aproveitar ao máximo o potencial dos meios digitais sem compará-los à experiência do encontro presencial. Estamos pensando em adaptações para o site do Pivô e como difundir melhor o conteúdo gerado pelos artistas nas nossas mídias sociais. Outro dado importante é que no programa online, teremos um número maior de interlocutores de fora de São Paulo. O intercâmbio internacional sempre foi algo muito importante para o nosso programa e a ideia é envolver mais pessoas de outros países e regiões do Brasil neste novo formato.
E como os artistas residentes estão encarando essa mudança de formato?
FB: Me parece que, assim como a nossa equipe e a aarea, eles estão empolgados em participar do desenvolvimento de uma nova modalidade de residência. É uma experiência nova para todos nós, e estamos testando várias coisas juntos. A participação ativa deles é fundamental neste processo. Acho que situação de confinamento a que estamos todos submetidos contribuiu para a coesão do grupo. No espaço físico geralmente demora mais tempo para termos essa qualidade de interação entre os artistas.
Como será a integração entre a residência e a plataforma aarea? Os artistas residentes irão desenvolver algum projeto para o site?
FB: A residência não prevê a participação dos artistas na plataforma. Esperamos, claro, que a conversa destes artistas com a aarea siga para além dos três meses da residência. Assim como a residência no espaço físico, este modelo online é mais direcionado para a pesquisa e a interlocução do que para a apresentação de projetos concluídos.
Você acha que modelos virtuais é algo que o Pivô tem vontade de explorar mais no futuro, seja para residências, seja para outros fins?
FB: Sim, sem dúvida. Estamos bastante entusiasmados com esta primeira versão online da residência e muito provavelmente algumas coisas que aprendemos com este processo serão incorporadas no programa regular. Este ano é a primeira vez que conseguimos apoios o suficiente para que o programa Pivô Pesquisa seja inteiramente gratuito, o que aumentou consideravelmente o número inscritos. Manter uma presença online mais intensa pode ser uma boa maneira de envolver mais artistas na nossa programação.
Fernanda Brenner é curadora e escritora baseada em São Paulo, Brasil. Ela é diretora fundadora do Pivô, espaço sem fins lucrativos em operação desde 2012, em São Paulo. Projetos recentes incluem a exposição coletiva “A Burrice dos Homens” (2019) Galeria Bergamin & Gomide, São Paulo, Seção de Residentes Art Dubai, Emirados Árabes Unidos (2019), a exposicão coletiva “Neither” (2017), Mendes Wood DM, Bruxelas e co-curadoria de “Nightfall” (2018) na Mendes Wood DM, Bruxelas e “Caixa Preta” (2018) na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre. Ela é editora colaboradora da Frieze Magazine e seus textos são publicados em várias publicações e catálogos, como Artreview, Mousse, Cahiers d’Art, Terremoto e The Exhibitionist, onde faz parte do conselho editorial. Brenner também trabalha como consultora de arte para Kadist.
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