CAConrad, "While Standing in Line for Death" (2017)
Leitura

Quatro leituras por quatro curadores

Marina Dias Teixeira
15 abr 2020, 16h01

Quatro curadores internacionais compartilham conosco algumas das leituras que lhes marcaram ao longo dos anos. Confira abaixo o que Barbara Tannenbaum (Cleveland Museum of Art, EUA), Margot Norton (New Museum, EUA), Théo-Mario Coppola (Independente, França) e Elizabeth Cronin (The New York Public Library, EUA) indicam para aqueles que amam arte e boas leituras.

Acima: CAConrad, "While Standing in Line for Death" (2017)

Todas as traduções marcadas entre colchete são traduções livres e o texto original está disponível na versão em inglês.

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Barbara Tannenbaum

Cleveland, 9 de abril de 2020

Recorro aos livros para explorar o mundo pelos olhos dos outros e, particularmente em momentos de estresse como agora, para distração. Um dos meus favoritos recentes é um livro que foi tão bom que assim que terminei de ler, eu o recomecei desde o início: “O vendido”, de Paul Beatty. Publicado em 2015, ganhou o Prêmio Man Booker, o National Book Critics Circle Award em Ficção e o John Dos Passo de Literatura, por isso não sou a única pessoa que o considera uma leitura incrível. É uma história em quadrinhos — na verdade, uma sátira perversa — que aborda questões sérias que abrangem a vida urbana, pais e filhos e, o que é mais revelador, a desigualdade racial.

O narrador nasceu e vive em um “gueto agrário”, um subúrbio rural negro e latino de Los Angeles que perdeu seu nome e foi engolido pela cidade. Ele decide restabelecer a escravidão e segregar o ensino médio local, ações que surpreendentemente levam a coisas boas para sua comunidade, mas acabam fazendo dele o réu em um caso julgado no Supremo Tribunal dos E.U.A. A jornada no meio é um passeio selvagem e bem-humorado, repleto de ação, referências à cultura popular, críticas e comentários que contêm insights profundos.

Uma dessas idéias aborda a natureza da História e parece particularmente relevante para nossa atual situação historicamente significativa. O que vamos lembrar da era COVID-19, das estatísticas e rituais de purificação ou dos sentimentos de isolamento e comunidade?

“Este é o problema da História: gostamos de pensar que ela é um livro — que podemos virar a página e seguir em frente com a porra da vida. Mas a História não é o papel em que está impressa. É a memória, e a memória é o tempo, as emoções e a música. A história é o que fica com você”.

 

BEATTY, Paul. O vendido. São Paulo: Editora Todavia, 2017. trad: Rogério Galindo.

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Margot Norton

New York, 11 de abril 2020

CAConrad escreveu “While Standing in Line for Death” [Enquanto esperava na fila da morte] após o trágico assassinato de seu parceiro e a subsequente negligência da polícia na investigação do crime. O livro contém uma série do que Conrad chama de “(Soma)tic Rituals” [Rituais somáticos] e seus poemas resultantes, que vê como ferramentas criativas para a cura. A escrita de Conrad é bruta, pessoal e política. Não encobre a violência e o trauma que advém do ser humano, mas é esperançoso, pois celebra o potencial transformador do ato criativo e demonstra que a vida costuma encontrar um caminho. Os rituais e poemas de Conrad buscam nos libertar do cotidiano, questionar sistemas projetados para nos oprimir e fortalecer as conexões entre nós, e entre nós e o planeta. Também recomendo seguir CAConrad no Instagram (@caconrad88), onde recentemente publicou uma série de poemas intitulados “CORONA DAZE”, relacionados à vida em tempos de pandemia.

O trecho de poema a seguir foi escrito após um ritual de CAConrad realizado na exposição de Nicole Eisenman, “Dear Nemesis”, no Instituto de Arte Contemporânea da Filadélfia em 2014.

“…now that the present is so endangered we
can stop worrying about the future Dear
United States of America I do not
understand how any kinds of Love exist
but we need every trickle to stop the
hemorrhaging wounds we created in our
Sleep…”

[… agora que o presente está tão ameaçado a gente
pode parar de se preocupar com o futuro Queridos
Estados Unidos da América eu não
entendo como existe qualquer tipo de Amor
mas precisamos de cada pingo para estancar as
feridas hemorrágicas que criamos em nosso
Sono…]

CACONRAD. “Poetry is Short for KICKING IN THE DOOR” [Poesia é abreviação de ARROMBAR A PORTA], in While Standing in Line for Death. Seattle: Wave Books, 2017. Tradução livre. 

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Théo-Mario Coppola

Paris, 9 de abril de 2020

Desde o início da quarentena, houve uma mudança no equilíbrio de som entre trânsito de carros, piados de pássaros e outros sinais na cidade. Do coro do amanhecer ao aplauso da noite, minha percepção auditiva foi enormemente transformada. O mesmo acontece com o meu desejo por novas narrativas. Esta é uma chance de prestar atenção a aspectos que eu posso ter negligenciado na vida cotidiana e no meio das artes.

Em 1997, Stuart Hall escreveu que “o surgimento de novos assuntos, novos gêneros, novas etnias, novas regiões, novas comunidades […] adquiriram através da luta, às vezes de maneira muito marginalizada, os meios para falar por si mesmos”. Meu “plano piloto” pessoal será uma tentativa de apoiar práticas baseadas em som e voz. Meios alternativos podem ajudar a trazer uma mudança crítica em nossa maneira de abordar a arte como vida e vida com os outros.

Making It Heard  é um livro astuto e ambicioso, que aborda experimentos sonoros em todas as artes do Brasil no século 20 e início do século 21. O funk Odebrecht SoundSystem, concebido por Vivian Caccuri, os Parangolés projetados por Hélio Oiticica e interpretados por Caetano Veloso, e a rede internacional de troca de fita cassetes criada por Paulo Bruscky e Daniel Santiago estão entre os trabalhos discutidos nesta coleção de ensaios. Através de um coro polifônico de vozes, a arte sonora é vista como uma oportunidade de colaborar para além das disciplinas e como um meio de resistência política.

 

“[…] Nenhum território é oferecido, mas cada um é sempre negociado de forma contínua e coletiva. Esse processo vem ocorrendo há uma quantidade substancial de tempo, e a ativação de uma camada de material sônico não é apenas mais um gesto, mas um sintoma que demonstra um processo vibratório mútuo com densidade e consistência significativa, que surge em tempo hábil e espalha suas conexões. Os processos intensivos são, de fato, coletivos e relacionados ao grupo, e certamente não seriam reconhecidos se não fossem os campos afetivos ressonantes que capturam nosso corpo e nos conectam, produzem movimento e, de maneiras variáveis ​​e diversas, reverberam – visível e invisivelmente – enquanto, ao mesmo tempo, deixam marcas e rastros físicos sempre que uma audiência é alcançada.”

Stuart Hall, ‘O Global, o Local e o Retorno da Etnia’, em Cultura, Globalização e o Sistema Mundial: Condições Contemporâneas para a Representação da Identidade, ed. Anthony D. King, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997, p. 34. Tradução livre. 

Refiro-me aqui ao ‘Plano Piloto para a Poesia Concreta’, um manifesto de poesia de vanguarda de Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, publicado em Noigandres, n. 4, em São Paulo, em março de 1958.

Rui Chaves e Fernando Iazzetta, eds., Making It Heard: A History of Brazilian Sound Art, Sound Studies, New York: Bloomsbury Academic, 2019. Os colaboradores do livro são GG Albuquerque, Thaís Aragão, Thaís Aragão, Yuri Bruscky, Vivian Caccuri , Lílian Campesato, Rui Chaves, André Damião, Paulo Dantas, Fernando Iazzetta, Tânia Mello Neiva e Giuliano Obici.

Ricardo Basbaum, ‘Foreword: The Clash between Body and Artwork,’ em Making It Heard: A History of Brazilian Sound Art, ed. Rui Chaves e Fernando Iazzetta, Sound Studies, New York: Bloomsbury Academic, 2019, p. 16. Tradução livre.

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Elizabeth Cronin

New York, 13 de abril de 2020

Eu gostaria de recomendar “A Tree Grows in Brooklyn” (1943) [Uma árvore cresce no Brooklyn] de Betty Smith. O romance é um clássico americano e um dos meus livros favoritos, que eu li pela primeira vez há somente alguns anos. É uma jornada incrível que segue a vida de uma jovem garota que cresceu no Brooklyn. Francie testemunha todos os tipos de comportamentos e dificuldades e suas observações são astutas e maravilhosamente pungentes. A história emocionante é sobre as alegrias, desafios e tragédias vivenciadas na vida. Eu recomendaria este livro para quem quiser ser levado para outro mundo, pois qualquer leitor será completamente absorvido por esse conto emocionante.

Existem muitas citações memoráveis ​​do livro. Duas são particularmente aptas para compartilhar durante estes tempos difíceis:

“Observe sempre tudo como se estivesse vendo pela primeira ou pela última vez: assim seu tempo na terra é preenchido de glória.”

“As pessoas sempre pensam que a felicidade é uma coisa distante”, pensou Francie, “algo complicado e difícil de conseguir. No entanto, quais pequenas coisas a podem suscitar; um lugar de abrigo quando chove – uma xícara de café quente e forte quando você está triste; para um homem, um cigarro para satisfação; um livro para ler quando você estiver sozinho – apenas para estar com alguém que você ama. Essas coisas fazem a felicidade.”

SMITH, Betty. A Tree Grows in Brooklyn. New York: Harper Perennial, 2005. Tradução livre.

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Marina Dias Teixeira é formada em Estudos de Mídia e Cultura pela Universidade de Arte de Londres (UAL). Já integrou as equipes da Fundação Bienal de São Paulo, Sotheby’s Brasil e SP–Arte. Hoje é responsável pela coordenação de projetos da Act, consultoria de arte. Em paralelo, pesquisa teorias decoloniais e a produção de artistas afro-diaspóricos no circuito de arte contemporânea, com foco em mulheres negras. Desde 2020, colabora para a Casa Vogue Brasil, trazendo um olhar atento a artistas negres e sua produção.

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