Editorial
No exterior
Quais são as novidades do MoMA, e como os artistas brasileiros estão inseridos
SP–Arte
14 nov 2019, 18h03
O MoMA, Museum of Modern Art, em Nova York, é ponta de lança para os museus de arte mundo afora, ou ao menos está trabalhando como nunca para manter sua posição dianteira no sistema das artes. O poder de influência do museu não se dá apenas na esfera administrativa, cujo modelo de gestão e capitalização é tido como ideal de governança a ser seguido, mas principalmente no campo simbólico.
Desde sua fundação, com a mão do crítico e historiador da arte norte-americano Alfred Barr, a instituição-estrela contribuiu para fixar um imaginário exclusivo e linear da história da arte na sua virada para a modernidade, encaixando devidamente a produção artística norte-americana na narrativa europeia vigente a partir dos movimentos artísticos de vanguarda. Noventa anos depois da inauguração do MoMA, a sociedade encontra-se profundamente impactada por outros paradigmas socioculturais – para não falar dos políticos. Diante desse cenário, como um museu, então, deve se projetar para o futuro?
Em outubro 2019, o MoMA reabriu suas portas após uma profunda remodelação. O espaço físico do museu cresceu 30%, abrindo novas galerias e reparando certa sensação de distância da cidade decorrente de sua última reforma, em 2004. Além disso, a coleção permanente agora é reorganizada a partir de temas-chave, escapando dos “ismos” tradicionais através da inclusão de obras e artistas (mulheres, por exemplo) que friccionam e atualizam as categorias clássicas da arte para o público massivo do museu.
Confira a lista de artistas e obras de brasileiros que participam dessa reescrita, e que aquecem os debates em torno do novo museu:
Acima: Museum of Modern Art (Foto: Divulgação)
Coleção 1880s–1940s
A ala “Paris 1920’s” enquadra a retomada da atmosfera artística e cosmopolita da capital francesa após a Primeira Guerra. Essa parte da coleção agora ostenta “A Lua” (1928), uma das telas mais hipnóticas de Tarsila do Amaral. A pintora circulou nas mesmas rodas artísticas da cidade-luz que seus pares da grande sala do MoMA, como Fernand Léger, Constantin Brancusi e Pablo Picasso, e não faz mais sentido reduzir a condição da artista brasileira a uma aprendiz da época: ela já tinha se apresentado e impressionado Paris em 1926, e realizado uma segunda individual na cidade no ano em que fez “A Lua”. Alçada agora a um patamar mais equilibrado, a obra de Tarsila pode ser apreciada com a atenção que merece, nessa encruzilhada à brasileira entre o surrealismo e o cubismo. A tela foi adquirida pelo museu em 2019 por 20 milhões de dólares – a mais cara transação financeira de arte brasileira já realizada.
Coleção 1940s–1970s
Esse período inaugurou um novo arranjo de forças no mundo cindido pela Guerra Fria e, já naquele contexto, uma visão cronológica para a arte se tornava obsoleta. Isto é, não era mais possível deduzir que um movimento artístico desemboca orgânica e inevitavelmente no próximo: as experimentações e rupturas com as tradições artísticas e a modernidade aconteciam de maneira espalhada e simultânea. Nesse sentido, Lygia Clark e Lygia Pape foram essenciais para a expansão do conceito de arte. As artistas estão respectivamente nos núcleos “sistemas de arquitetura” e “dentro e fora de Paris”, ainda que sejam categorias que soam deslocadas para caracterizá-las. Também estão nessa parte da coleção os artistas Miguel Rio Branco, Sérgio Camargo e Mira Schendel.
Maria Martins fez carreira como artista nos EUA entre 1939 e 1948, bastante próxima aos dadaístas e surrealistas que se mudaram para a América durante e depois da Segunda Guerra. A condição de imigrante permitiu que a artista desenvolvesse um trabalho escultórico menos conectado aos projetos nacionais, ainda que certos assuntos brasileiros a tenham atravessado profundamente. Martins experimentou o gesso, o bronze, a madeira, foi da figuração à abstração, sempre em intensa troca com os colegas das vanguardas. Sua obra mais conhecida, “O impossível” é peça fundamental para a arte brasileira. Sobre o trabalho, a artista afirmou: “O mundo é complicado e triste, é quase impossível que as pessoas se compreendam”.
Anna Bella Geiger também viveu nos EUA em 1954 e em 1969, primeiro como estudante e em seguida como professora. Dessa segunda estadia em Nova York, Geiger trouxe para o Brasil uma “portapak”, uma das primeiras tecnologias de vídeo portátil disponíveis no mercado que despertou curiosidade imediata nos artistas da época. “Passagens I”, de Anna Bella Geiger, é a videoarte pioneira do Brasil, demarcando nossa transição para práticas ainda mais experimentais da arte conceitual.
Cabe citar Gertrudes Altschul, Gaspar Gasparian e Geraldo de Barros: a fotografia brasileira dos anos 1940 e 1950, marcada pela abstração geométrica e o uso inovador das câmeras analógicas, constituiu um grupo singular e bastante representativo da sofisticação do nosso modernismo.
Coleção 1970s–Present
“Nas décadas de 1970 e 1980, enquanto as novas tecnologias ajudavam na circulação global sem precedentes de bens e informações, artistas e ativistas em toda a América Latina se voltaram para o ‘faça-você-mesmo’ e ‘lo-fi’ para disseminar seu próprio trabalho”, afirma o texto da seção “Imprimir, dobrar, enviar”, que reúne obras de brasileiros como Paulo Bruscky, Eduardo Kac e do argentino aqui radicado León Ferrari.
Com uma individual prevista para 2020 na Estação Pinacoteca, o legado de Hudinilson Jr. ainda está por ser revisto e recontextualizado. Muitas de suas obras conjugam o ato performático à xerografia e arte postal, complexificando o uso das mídias a partir de reflexões sobre o corpo masculino e a autorrepresentação. Ele acumulou ao longo de anos em seu apartamento diversos cadernos com fotografias e ilustrações de homens recortadas de revistas e jornais, em que a sensualidade, o erotismo e o clichê dos nus masculinos se sobressaem.
Em 2019, Jac Leirner foi a primeira artista sul-americana a receber o prêmio Wolfgang Hahn, do museu Ludwig, na Alemanha. O reconhecimento vem na esteira de sua ampla trajetória internacional, iniciada ainda nos anos 1990 no Walker Art Center, em Minneapolis (EUA), e que hoje conta com obras no acervo de mais de vinte instituições fora do Brasil, como o Reina Sofía (ESP), o Guggenheim Museum (EUA) e a Tate Modern (UK). Jac trabalha com a apropriação e ressignificação de objetos banais, do mundo da arte ou não, que são colecionados ao longo de anos e então formalizados de forma seriada, abordando com acidez aspectos da sociedade de consumo, globalizada, e o papel da arte nesses circuitos.
Bônus: “Sur Moderno” e “Surrounds”
Vale ainda citar a mostra “Sur Moderno: Journeys of Abstraction”, que apresenta a coleção da venezuelana Patricia Phelps de Cisneros, que nos últimos 25 anos doou mais de duzentas obras ao MoMA. Trata-se de uma amostra potente do desenvolvimento da abstração geométrica que por muitos anos caracterizou o espírito de renovação artística e política na América Latina. Entre os brasileiros, destacam-se: Amilcar de Castro, Hércules Barsotti, Willys de Castro, Waldemar Cordeiro, Luiz Sacilotto, Abraham Palatnik, entre outros.
A mostra “Surrounds” apresenta ainda onze importante instalações do acervo do museu. A artista Rivane Neuenschwander está ao lado de célebres artistas, como Arthur Jafa e Hito Steyerl, apresentando a obra “Work of Days” – uma instalação de 1998 que representa a passagem do tempo e a fragilidade da matéria.
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