Editorial
Ensaio
Piscina: a trajetória de uma plataforma para mulheres artistas
Paula Plee
4 fev 2021, 14h22
Era junho de 2015, e eu e mais duas amigas – Ana Luiza Fortes e Nataly Callai –, conversávamos via chat do Facebook sobre projetos e ideias que tínhamos e que acabavam engavetados. Quando surgiu a ideia de fazer uma plataforma para reunir e divulgar o trabalho de mulheres que admiramos, juramos que este não seria mais um projeto que iria para a gaveta. Foi assim que em três dias tínhamos um nome, um logo, um site na plataforma Cargo Collective e um perfil no Instagram: a Piscina veio ao mundo.
A princípio, nos inspiramos em plataformas internacionais já existentes. Aqui no Brasil, até onde sabíamos, não havia ainda nada parecido. Começamos convidando conhecidas e conhecidas de conhecidas, mas a ideia era receber portfólios e trabalhos via email que então passariam por uma curadoria.
A premissa era bem simples: criávamos uma página para cada artista selecionada com imagens de seus trabalhos e um link para seu portfólio. E, todos os dias, um trabalho era divulgado em nosso perfil do Instagram. Não demorou muito para começarmos a ganhar seguidores e receber portfolios por email. O movimento aumentou ainda mais quando a plataforma saiu em alguns sites e revistas.
O perfil da plataforma era bem diferente do que é hoje. Entre as artistas que passavam pela nossa curadoria, estavam fotógrafas, ilustradoras, designers, cineastas e poetisas. Era de nosso interesse mostrar trabalhos de mulheres que, ao nosso olhar à época, tinham alguma potência, que comunicavam algo ou ressoavam de alguma forma em nós mesmas. Às vezes, eram escolhas bem pessoais, o que gerava debates acalorados entre as três.
Acima: Brisa Noronha
"Cabeças de touro", 2015
Porcelana
Todas as imagens utilizadas nesta matéria são cortesia Piscina.
No embalo das feiras independentes de publicações, em 2016 lançamos nosso primeiro zine, que trazia o trabalho das 56 mulheres artistas que então faziam parte da plataforma. Fizemos um investimento do nosso próprio bolso e imprimimos uma tiragem de 250 exemplares que, felizmente, conseguimos vender.
Não faz tanto tempo assim, mas em 2015 e 2016 o mundo era bem diferente. Vejo que em seu início, a Piscina não tinha uma preocupação em adotar posicionamentos mais, digamos, veementes. A gente estava ali conhecendo artistas de todo Brasil e de fora dele, e aquilo por si só já era algo muito potente para nós. Poder fazer com que mais pessoas pudessem acessar esses trabalhos era o pilar central da plataforma, o que acredito que, ainda hoje, se mantém extremamente relevante.
Outro fator importante para o desenvolvimento da Piscina é que nenhuma de nós, as três fundadoras, tivemos um background de artes visuais: eu sou arquiteta, a Ana Luiza é atriz e a Nataly tem formação em cinema e, já naquela época, flertava com a escrita. Não à toa, ficamos amigas principalmente depois de trabalharmos juntas em uma peça a qual a Nataly escreveu, a Ana atuou e eu fiz a direção de arte.
Assim, gostávamos de chamar o processo de escolha dos trabalhos para a Piscina de “curadoria selvagem”, pois era um processo que estava pautado muito mais nas nossas percepções e sensibilidades perante o mundo, do que em conceitos e teorias embasados por uma literatura acadêmica especializada.
Em 2017, veio a necessidade de profissionalizar o modo como nos apresentávamos, e também de nos aprofundarmos nos trabalhos desenvolvidos pelas artistas. Assim, criamos um novo site, que apresentava curadorias trimestrais, as quais chamávamos de “Fôlego” e que eram acompanhadas de um texto de nossa autoria. Havia também o blog, no qual a ideia era aprofundar alguns conteúdos. Foi por meio dele que começamos a visitar ateliês de artistas.
Acostumadas a atuar quase que exclusivamente no ambiente virtual, um grande marco na história da plataforma foi o nosso primeiro evento físico. A primeira edição do Mergulhos da Piscina aconteceu entre os dias 27 de novembro e 1 de dezembro de 2019 no CC.espaço, em São Paulo.
Com a colaboração da curadora e pesquisadora Ana C. Roman, realizamos dois encontros presenciais e uma exposição coletiva. No primeiro encontro, Atuar em rede – coletivos e plataforma de arte, convidamos três coletivos e plataformas de arte para apresentarem seus trabalhos e conversarem sobre as possibilidades de atuação de artistas e coletivos em rede. Os coletivos convidados foram o YVY Mulheres da Imagem, o Trovoa e o Coletivo Amapoa.
No segundo dia, reunimos artistas e curadoras para conversar sobre o tema Modos de criar – o fazer artístico e exibição de arte na era do instagram e refletir sobre sua produção e a influência das redes sociais em seus processos criativos. As artistas convidadas foram Alice Yura, Luisa Callegari, Jade Marra e Vitória Cribb, que tiveram seus trabalhos comentados pelas curadoras Carollina Lauriano e Nathália Lavigne.
Encerrando os Mergulhos, apresentamos a exposição coletiva “Ânima”, a qual reuniu trabalhos de dez artistas mulheres: Anaïs Karenin, Angela Od, Brisa Noronha, Camila Fontenele, Daniela Paoliello, Gabriella Garcia, Heloisa Hariadne, Fernanda Vallois e Vitória Cribb.
Esse primeiro evento físico foi o resultado de um movimento de expansão da plataforma, que deixou de ocupar um lugar passivo com relação às artistas – a Piscina antes divulgava somente o trabalho de artistas mulheres que entravam em contato e enviavam seus portfólios – para ocupar um lugar mais ativo na pesquisa e na divulgação do trabalho de mulheres artistas.
Durante a pandemia, vimos uma oportunidade para expandir nossa plataforma virtual para diferentes formatos. Realizei uma série de lives e entrevistas com artistas, que passaram a integrar uma nova seção do site – Perfil –, no qual além de apresentar seus trabalhos, as artistas podem falar sobre suas trajetórias, principais influências e fatos mais marcantes de suas carreiras. Este ano também fizemos uma chamada aberta para divulgar trabalhos durante a quarentena em nosso Instagram, e escrevemos sobre alguns deles na série de posts Arte na Quarentena.
Dado o momento bastante desafiador apresentado por 2020, percebi que não bastava somente pesquisar e divulgar o trabalho de mulheres artistas. Era preciso criar maneiras de viabilizar essa produção. Foi assim que, depois de muitos meses de brainstorming, veio a ideia de criar um modelo de vendas das obras de algumas de nossas artistas-parceiras.
Queremos que a Piscina seja um facilitador para que as artistas possam produzir com liberdade e autonomia, viabilizando e conectando sua produção à colecionadores e interessados e outros atores do meio artístico. Assim, o modelo que criamos se baseia na construção de uma relação de confiança e transparência mútua entre a plataforma e as artistas, trabalhando de maneira colaborativa e horizontal.
Acredito que aprendemos à medida que agimos em direção a algo que visamos alcançar. Com as ações da Piscina e, em particular com este novo modelo que estamos criando, não é diferente. Elaboramos um termo com todos os pontos de como pretendemos trabalhar e aos poucos, fomos entrando em contato com algumas artistas, perguntando o que elas achavam e se tinham alguma sugestão sobre o modo como estamos nos propondo a trabalhar. Esse feedback para nós é muito importante porque nos ajuda a crescer enquanto plataforma e nos guia em um caminho o qual ainda estamos tateando para ver o que funciona melhor.
Com a participação em eventos comerciais – como foi o caso do SP-Foto Viewing Room, em 2020 – percebemos que havia coisas no nosso termo de trabalho que precisavam ser ajustadas, levando em consideração as peculiaridades de cada situação. Como nossa atuação se deu sempre através da internet, é natural que quando realizamos um evento fora do contexto digital demandas diferentes do que estamos habituados surjam. Questões de produção de obra, infra-estrutura e transporte acabam se colocando, e um trabalho que na internet é resolvido de uma forma, quando migra para o físico, tem outros desafios.
Outra coisa que percebemos é que as artistas jovens – no caso, todas com que trabalhamos –, praticamente cresceram com a internet e já se acostumaram com um ritmo mais autônomo, característico dessa geração. Então a própria artista busca resolver tudo: fotografar a própria obra, postar nas redes, escrever sobre o próprio trabalho, fazer o site de portfólio, falar com clientes potenciais que entram em contato, etc. Sabemos que se colocar como artista por si só dá muito trabalho, então buscamos facilitar essa dinâmica, assumindo, por exemplo, a parte de conversar com os clientes que entram em contato através do instagram, de centralizar as informações das obras, criar um portfólio e, caso a venda se realize, cuidamos da produção da obra, do transporte, dos certificados, enfim. Existe toda uma sucessão de demandas e atividades que, se as artistas precisam realizar sozinhas, acaba sobrando muito pouco tempo para trabalhar em suas pesquisas de fato.
Assim, não nos colocamos como uma galeria convencional, e não oferecemos as mesmas coisas que uma galeria convencional oferece aos seus artistas. Mas, é ao lado das artistas que construímos, juntas, um modelo que faça sentido para todos as envolvidas e auxilie no desenvolvimento de suas carreiras como artistas. E, trabalhando em conjunto, seguimos em constante aprendizado, nos adaptando às necessidades e especificidades de cada artista.
Criar uma plataforma para mulheres artistas era algo relativamente novo em 2015. Mas se considerarmos que há cinquenta anos Linda Nochlin escrevia o ensaio “Por que não houve grandes mulheres artistas?” (1971), questionando a noção da genialidade masculina dos grandes mestres artistas, vemos o quanto demorou para que essa discussão atravessasse o mundo acadêmico para se tornar algo comum no mainstream. E quando falamos dos diferentes feminismos e da noção de que mulheres experienciam opressão em diferentes graus de acordo com sua classe, raça, sexualidade, religião e capacidades físicas, percebemos o quanto ainda precisamos caminhar.
Há muito ainda a ser feito e ainda há muitos espaços a serem ocupados por mulheres mas, ainda assim, me sinto otimista. Muita coisa mudou de 2015 para cá e, embora vivamos um momento desafiador em diferentes âmbitos, é possível ver uma evolução e a sedimentação dessas questões no senso comum. E, para mim, o papel de uma plataforma como a Piscina hoje não se trata somente de abrir caminho, mas também de pavimentar e sedimentar, tornar sólido as próximas gerações que virão.
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