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Reportagem

As inspirações de pintoras contemporâneas

SP–Arte
26 jun 2019, 16h05

Ana Prata, Ana Elisa Egreja e Mariana Palma pertencem a uma mesma geração de jovens artistas brasileiras unidas pela pintura. Mesmo sem constituir qualquer tipo de grupo formal ou agenda temática comum, essas pintoras se desafiam ao buscar novos caminhos pela mais tradicional das expressões artísticas. Afinal, a carga histórica desta linguagem não se revela apenas nas questões estéticas em si, mas também na disparidade com que mulheres e homens se consagraram na pintura ao longo dos anos.

Convidamos o trio para compartilhar algumas de suas inspirações pessoais ou pintoras que têm atraído sua atenção nos últimos tempos. O resultado é um painel de referências, principalmente brasileiras, que evidenciam aspectos do processo criativo dessas artistas.

Sem título (2018), Mariana Palma (Foto: Divulgação)
"Lagoa (barco do norte)" (2017), Ana Prata (Foto: Divulgação)

Sem título (2018), Mariana Palma (Foto: Divulgação)

"Lagoa (barco do norte)" (2017), Ana Prata (Foto: Divulgação)

"Canto da poça II" (2017), Ana Elisa Egreja (Foto: Divulgação)

"Canto da poça II" (2017), Ana Elisa Egreja (Foto: Divulgação)

Ana Prata

A primeira artista que quero apontar é Tarsila do Amaral, aproveitando a retrospectiva que está acontecendo no Masp. Eu consegui entender muito da obra dela, que acho muito boa principalmente até o começo dos anos 1930. O impressionante na Tarsila é que, quase cem anos depois, o trabalho é extremamente radical do ponto de vista formal – são cores e formas estranhas. Fiquei pensando que nem existia televisão quando ela fez tudo isso. Uma arte que é boa, em geral, tem uma capacidade de revelar aspectos sobre a sociedade em que o artista viveu, mesmo para além de suas intenções… Você aprende muito sobre a sociedade brasileira vendo aqueles trabalhos. E tem humor, tem aspectos metafísicos que acho bonito. É uma artista gigante, das mais importantes do modernismo e do século XX no Brasil.

Outra pintora forte para mim é a Eleonore Koch. Há uma graça especial porque são naturezas-mortas e paisagens com uma estrutura espacial meio estática, até meio vazia, mas as cores e transparências da tinta – que se assemelham ao modo de fazer do Volpi – trazem um efeito solar, leve, atmosférico. A pesquisa dela, que poderia ser ‘durinha’, ganha vibração e luminosidade. Acho muito legal os contrastes entre uma forma rígida e uma maneira de pintar mais solta, que deixa um ruído bonito no trabalho.

Queria também indicar a Laura Owens, uma pintora contemporânea norte-americana. No caso dela, eu adoro a liberdade formal, a liberdade nos usos de linguagens e referências diversificadas. Também acho que tem humor e certa apropriação de um universo tido às vezes como feminino, mas de um jeito engraçado, transformado, com sentido modificado. É sempre bem interessante olhar o trabalho dela.

A Leda Catunda é uma grande musa inspiradora, seu trabalho sempre tem um super frescor, uma liberdade, uma intenção formal muito clara e decidida, deliberada. Uma qualidade que eu amo é o humor. Podemos dizer que é até um pouco raro nas artes plásticas, e acredito que o humor seja uma das grandes qualidades humanas, uma forma muito única do ser humano se expressar. E o humor no trabalho dela é uma verdadeira inspiração para mim.

"O lago" (1928), Tarsila do Amaral (Foto: Divulgação)
"Deserto do Arizona II" (1995), Eleonore Koch (Foto: Divulgação)

"O lago" (1928), Tarsila do Amaral (Foto: Divulgação)

"Deserto do Arizona II" (1995), Eleonore Koch (Foto: Divulgação)

"Mulheres gostosas" (2014), Leda Catunda (Foto: Divulgação)
Sem título (2018), Laura Owens (Foto: Divulgação)

"Mulheres gostosas" (2014), Leda Catunda (Foto: Divulgação)

Sem título (2018), Laura Owens (Foto: Divulgação)

Ana Elisa Egreja

São muitas as qualidades que eu admiro na Leda Catunda e, a cada dia, percebo ainda mais influência do trabalho dela no meu. Nossos trabalhos não são parecidos e têm acabamentos diferentes, mas conceitualmente me sinto conectada. Seja através da familiaridade dos elementos que ela introduz nas pinturas – do cobertor ao pôr do sol, das camisetas do Metallica às imagens mais utópicas de consumo – tudo junto, tudo mole, tecidos e tinta, numa estética tão peculiar – é o que considero mais arte dentro da arte! Vejo conforto no excesso, e seus trabalhos, para além da maciez, são confortáveis para mim, e conforto é uma das coisas que busco na pintura.

Abigail de Andrade foi a primeira mulher premiada na Exposição de Belas Artes, em 1884. Incrível pensar que mulheres até então não podiam frequentar escolas de arte! Sabe-se muito pouco de seu trabalho ainda hoje, mas tudo o que vi, eu gostei. São pinturas realistas lindas com uma luz especial.

Vi alguns desenhos de Wilma Martins na exposição ‘Mulheres radicais’ na Pinacoteca de São Paulo, no ano passado. Tinham uns com animais que lembravam muito alguns dos meus trabalhos antigos e eu não a conhecia! Muito curioso quando acontece esse tipo de coisa, uma espécie de antena que nos liga a outro artista mesmo sem nunca o termos visto.

A Jac Leirner não é oficialmente pintora, apesar de fazer umas aquarelas lindas… Mas é uma artista maravilhosa e grande influência para mim, eu amo o trabalho com adesivos e todo o colecionismo dela é muito familiar e inspirador para mim.

"O cesto de compras" (1884), Abigail de Andrade (Foto: Divulgação)
"Colors with cloud" (2010), Jac Leirner (Foto: Divulgação)

"O cesto de compras" (1884), Abigail de Andrade (Foto: Divulgação)

"Colors with cloud" (2010), Jac Leirner (Foto: Divulgação)

Sem título (1982), da série "Cotidiano", Wilma Martins (Foto: Divulgação)

Sem título (1982), da série "Cotidiano", Wilma Martins (Foto: Divulgação)

Mariana Palma

O trabalho da artista norte-americana Georgia O’Keeffe tem me inspirado bastante. Suas pinturas de flores e paisagens transbordam feminilidade e erotismo, falam do corpo da mulher do ponto de vista feminino e são delicadas sem serem frágeis ou ingênuas. Apesar da maior parte de suas obras já datarem de quase um século atrás, continuam traduzindo o feminino com perfeição.

Outra artista que gosto muito e que me inspira há bastante tempo é a britânica Marianne North. Ela foi pioneira e transgressora na arte e na vida, abriu mão de um destino comum das mulheres da época em que viveu para viajar o mundo pintando botânica. Esteve no Brasil em 1872 e pintou nossa flora com cores vivas, com exuberância e encantamento, imprimindo nas paisagens que retratou um olhar generoso e quente, muito diferente das obras de botânica da época em que viveu.

Já a artista brasileira Sandra Cinto sempre me inspirou com suas paisagens vertiginosas, seus céus sem limites e seus mares revoltos. Ela surpreende levando a pintura a suportes muito amplos, vazando as telas com suas linhas parede afora, ou unindo muitas telas para pinturas quase murais. O gesto detido e delicado serve de contraponto à força que a soma deles próprios é capaz de evocar, em explosões de linhas.

E recentemente fui à exposição da Marina Rheingantz no Galpão da Fortes em São Paulo e adorei. Achei que a escala que usou para pintar trouxe um elemento corporal às paisagens, tornou a tinta mais visível e a pintura mais impactante, e trouxe turbulência para a calma dos mares que retrata. Vejo na pintura dela um espaço para o contemplativo e para um olhar fusional, e acho que ela consegue presentificar nas suas pinturas um tempo suspenso, mental.

"Kalimba" (2018), Marina Rheingantz (Foto: Divulgação)
Sem título (2019), Sandra Cinto (Foto: Divulgação)

"Kalimba" (2018), Marina Rheingantz (Foto: Divulgação)

Sem título (2019), Sandra Cinto (Foto: Divulgação)

"Flowers of a Coral Tree and King of the Flycatchers, Brazil" (1880), Marianne North (Foto: Divulgação)

"Flowers of a Coral Tree and King of the Flycatchers, Brazil" (1880), Marianne North (Foto: Divulgação)

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