Marcos Gallon, curador do setor Performance na 15ª edição da SP-Arte, discorre sobre sua curadoria e os artistas selecionados

25 fev 2019, 11h45

Por Marcos Gallon

 

Pela primeira vez, desde sua criação em 2015, o setor de performances da SP-Arte contará apenas com obras de artistas representados por galerias que participam da feira regularmente; todas as ações estarão à venda, sendo que uma delas será adquirida pela SP-Arte 2019 e doada para o acervo da Pinacoteca de São Paulo. O time curatorial da Pinacoteca, liderado por Jochen Volz, escolherá entre os seis trabalhos a obra que irá para o acervo da instituição.

Com isso, o projeto para o setor de performances da SP-Arte 2019 pretende criar ferramentas práticas para a melhor inserção da performance arte em coleções públicas e privadas, evidenciando o fato de que muitas galerias brasileiras contam com artistas que utilizam dessa linguagem como terreno de experimentação. A seleção de ações revela essa diversidade, expondo as influências e métodos que impulsionaram as práticas desses artistas, e as estratégias e dinâmicas empregadas por eles na materialização de suas ações.

A SP-Arte é um dos maiores eventos do mercado global de arte no Hemisfério Sul. Anualmente, a Feira conta com uma programação intensa de palestras, conversas, exposições curadas, comissionamentos e premiações em um tour de force que reúne artistas, galeristas, colecionadores, curadores, jornalistas, pesquisadores e público em geral.

O setor de performances da SP-Arte foi criado em uma parceria entre a Feira e o departamento de Artes Visuais do Centro Universitário Belas Artes. Com isso, a SP-Arte se alinhou a outras feiras internacionais que, já nos primeiros anos do século XXI, passaram a dedicar parte de seus pavilhões a “arte da ação”.

Participei do processo de seleção de artistas, em 2015, que contou com quinze ações de quatorze artistas, ex-alunos do Centro. Desde lá, a plataforma acontece anualmente como uma atividade regular oferecida pela Feira para o público que visita o Pavilhão Ciccillo Matarazzo.

Nas quatro edições anteriores, o setor conheceu formas distintas de seleção de artistas e de ocupação do Pavilhão. Entretanto, a característica comum às quatro edições foi o fato de o setor sempre contar apenas com artistas independentes, isto é, sem representação oficial dentro da Feira.

Em um evento com essas proporções, onde o visitante pode adquirir os mais variados artigos e produtos ligados à arte – de revistas e publicações com edições de grande tiragem, a obras únicas com valores milionários –, chama a atenção o fato de que a performance arte ter sido a única linguagem artística que, no contexto da Feira, não estivesse à venda.

Durante os anos 1960 e 1970, artistas como Bruce Nauman, Gina Pane, Marina Abramović, Valie Export, para mencionar apenas alguns, criaram ações com caráter político e deliberadamente anti-institucional e antimercado. Entretanto, há tempos a performance arte deixou de ser uma prática marginal. Artistas como Laura Lima, Tino Sehgal e a própria Abramović contribuíram para o alargamento dos conceitos que permearam os primeiros happenings (1960), criando estratégias e possibilidades de manter a performance arte viva por meio de reencenações e de documentos.

Nesse esteio, curadores passaram a incluir a performance arte em suas pesquisas, fato que detonou o surgimento de dezenas de exposições e eventos dedicados exclusivamente a essa linguagem. No campo institucional, museus públicos e privados começaram a rever seus critérios de armazenamento e de catalogação no sentido de criar condições adequadas para a convivência entre obras efêmeras e acervos convencionais.

Como a performance arte requer tempo, espaço e preparação, é mais frequente encontrarmos essas ações em coleções de grandes museus, mas isso também está em transformação com a aquisição por parte de colecionadores de ações ao vivo ou da documentação dessas ações, na forma de vídeos e fotos.


Com o objetivo de fomentar essa prática, o projeto para o setor de performances da SP-Arte 2019 conta com a participação de cinco artistas e de um coletivo, que durante os cinco dias da feira criarão um fluxo randômico de deslocamentos em sintonia com os demais setores da feira.

Em “Ponto e vírgula” (2018), de Maria Noujaim (Galeria Jaqueline Martins), e “Clotho” (2015), de Cadu (Vermelho), ações que terão duração média de três horas por dia, durante os cinco dias da Feira, o tempo expandido age de forma a conduzir, tanto o artista quanto o observador, a estados físicos e mentais simultâneos e entrelaçados. Nelas, o tempo não deve ser compreendido por meio da lógica sequencial e cronológica habitual, mas como elaboração constante, engendramento e indeterminação permanente.

Partindo de inquietações acerca de estados de imobilidade física, afetiva e social, Jorge Soledar (Portas Vilaseca Galeria) busca, com “A morte do Boneco – AMB” (2017-2019), desestabilizar o corpo e sua imagem diante do observador confrontando movimentos corporais a modos de instalação criando uma paridade entre o corpo e o objeto.

“Atoritoleituralogosh” (2019), neologismo criado por Cristiano Lenhardt foi o título escolhido pelo artista para esta que é uma das três ações inéditas que integram o projeto. Em Atorito, junção simples entre as palavras “ato” e “rito”, a proposição é clara, ou seja, uma ação que se desdobra em ritual. Durante os 5 dias da Feira, o artista em parceria com a atriz Ayla de Oliveira, criarão roupas e outros objetos cênicos, com jornais recortados e, num cortejo até a área externa do pavilhão, entoarão cantos e prosas poéticas.

“Árvore nacional” (2019), de Jaime Lauriano (Galeria Leme/AD), propõe uma reflexão acerca de acontecimentos recentes ocorridos no Brasil por meio da revisão do símbolo nacional maior, a bandeira nacional. O Pau-Brasil (Caesalpinia Echinata), árvore que em 1978 foi declarada símbolo da nação, substituirá as 27 estrelas que representam os 27 estados da Federação. Com alturas que variantes entre 0.8 e 1,5m, as mudas serão distribuídas entre o público durante os dias da Feira.

Por fim, assume vivid astro focus / avaf (Casa Triângulo) propõe para o horário das 20 às 21h, nos cinco dias da Feira, a ação “alôca vudu avoa furiosa” (2019). Nela, uma performer trans desenvolverá sobre uma plataforma, posicionada sob uma das esculturas da série “abstracto viajero andinos fetichizados” (2017), células coreográficas que combinarão o popular “bate-cabelo”, vogue, danças afro e dança contemporânea. A coreografia será acompanhada por uma trilha sonora ao vivo criada pelo projeto “Boca de cabelo” dos artistas Bruno Mendonça e João Paes.

As dinâmicas desenvolvidas pelos artistas que integram o setor de performances da SP-Arte 2019 revelam por meio da diversidade dos corpos, da pluralidade de ideias e de práticas a efervescência que caracteriza o terreno da performance arte nos dias de hoje. Com esse projeto, buscou-se diminuir a distância que separa a performance arte do sistema comercial da arte, sugerindo estratégias simples de aproximação entre artista e mercado, sem, ao mesmo tempo, abrir mão do caráter de contestação política que toda ação ao vivo guarda em si.

 


Marcos Gallon
Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Como bailarino e coreógrafo trabalhou em várias companhias de dança em São Paulo. De 1993 a 1996 assumiu o cargo de Administração da Cia. Terceira Dança em São Paulo. Viveu quatro anos em Berlim (1997-2001), onde ampliou sua pesquisa no campo da dança contemporânea, tendo desenvolvido vários trabalhos junto a coreógrafos da cena local. Nos anos de 2003 e 2004 criou o projeto “Corpo de Baile”, coletivo composto por bailarinos, performers, designers, atores e artistas visuais. Atualmente é diretor artístico da Verbo – Mostra de Performance Arte, plataforma anual de performance arte criada pela Galeria Vermelho (São Paulo), em 2005. É co-autor de “Das, um olhar contemporâneo sobre um trabalho da Cia. Terceira Dança” (Annablume, 1995), e organizador de “Verbo – mostra de performance arte” (Ed. Tijuana, 2015).
Setor Performance
Em 2018, a então curadora Paula Garcia reuniu cinco performances de longa duração, que aconteceram em um espaço dedicado a elas no segundo andar do Pavilhão. Gabriel Vidolín, Karlla Girotto, Paul Setúbal, o duo Protovoulía (Jessica Goes e Rafael Abdala) e o coletivo Brechó Replay desempenharam as performances do começo ao fim do Festival, em jornadas que se estenderam por mais de oito horas. Reveja aqui fotos do setor.

Perfil SP–Arte

Faça parte da comunidade SP–Arte! Somos a maior feira de arte e design da América do Sul e queremos você com a gente. Crie ou atualize o seu perfil para receber nossas newsletters e ter uma experiência personalizada em nosso site e em nossas feiras.