Mostra no Sesc Avenida Paulista reflete sobre a passagem do tempo através de filmes e vídeos de importantes artistas internacionais

28 mai 2019, 11h10

por felipe molitor

 

Quem caminhou nos arredores do Sesc Avenida Paulista nas últimas semanas pode ter suspirado ao se deparar com um gatinho gigante tomando água. A cena, projetada continuamente em um telão do lado de fora do edifício, já disputou atenção com as frenéticas peças publicitárias da Times Square, em Nova York, e agora provoca os transeuntes da avenida símbolo de São Paulo. Esta obra, do duo suíço Fischli & Weiss, integra a exposição “O tempo mata/time kills”, que segue em cartaz até o próximo dia 16 com filmes e vídeos produzidos dos anos 70 aos dias de hoje.

Fora das bienais de São Paulo e do Videobrasil, nem sempre é visto por aqui um conjunto tão significativo de trabalhos em audiovisual circunscritos em debates da arte contemporânea mundo afora. No caso, esta mostra reúne dezessete trabalhos de artistas contemporâneos e é fruto de uma parceria com a Julia Stoschek Collection – acervo privado baseado entre Dusseldorf e Berlim com mais de oitocentas obras em mídias múltiplas que lidam com o tempo. Segundo o texto do curador da mostra, Rodrigo Moura, “a autorrepresentação e suas estratégias, como o autorretrato e a ficcionalização da vida, aparecem em diversas obras, agindo como possível fio condutor e unindo trabalhos da exposição, assim como a apropriação, a coleção e a montagem a partir de imagens de outras fontes”. Em algumas obras, o senso de valor estético intrínseco às imagens é suspenso: cacoetes na edição e montagem, imagens “sujas”, e outras experimentações libertam os artistas para outras possibilidades dos usos do vídeo.

Estes caminhos surgem em franco entrelaçamento, por exemplo, na obra “Lovely Andrea” (2007), da artista alemã Hito Steyerl. Realizado para a Documenta 12, o filme mostra a saga da artista para reencontrar uma única fotografia feita vinte anos antes em Tóquio, quando era estudante e posou como modelo de bondage no estilo japonês. Este é só o pontapé inicial de uma história que envereda dimensões ficcionais diferentes conforme se desenrola, associando questões políticas do corpo feminino e discussões sobre a circulação das imagens em um mundo digitalizado. É como se a artista unisse pontas de suas narrativas pessoais a outras coletivas, maiores e até anteriores a ela.

Neste sentido, interesse similar é o da norte-americana Rachel Rose em seu vídeo “Palisades in palisades”, de 2014. A artista toma como pano de fundo o parque Palisades, em Nova Jersey, para justapor diferentes camadas históricas e imagéticas que confluem naquele local. A câmera circunda, se aproxima e se afasta de uma misteriosa mulher que parece conversar com pessoas mortas. A cada movimento e corte invisível da primorosa edição, temos a sensação de adentrar outras dimensões temporais através das cores, dos materiais e das superfícies das imagens que surgem na tela. A sensação de mergulho no interior do vídeo é reforçada pelo caráter imersivo da obra.


Aliás, a maneira de espacializar cada vídeo e filme reflete a preocupação da curadoria em assegurar que pudessem ser contempladas em sua máxima potência de exibição – é o caso do gatinho de Fischli & Weiss do início deste texto. Outro exemplo são as obras de Douglas Gordon e Cyprien Gaillard, cujas imagens foram captadas a partir do topo das cidades e aqui são mostradas em um piso superior, permitindo que o visitante observe a mostra de cima para baixo, em contraste com a fachada de vidro do edifício.

A obra “Apex” (2013), do norte-americano Arthur Jafa, recém premiado com o Leão de Ouro na corrente Bienal de Veneza, é uma das mais representativas do conjunto. Embaladas por uma música eletrônica eletrizante, uma sequência aparentemente infinita e desconexa de imagens de distintas qualidades de corpos negros escravizados, de ícones da música negra, dos quadrinhos, de atletas, de seres microscópicos e de tantas outras matrizes. O vídeo jorra um fluxo acelerado, irônico e até violento de um arcabouço pessoal. Aproximadas em associação livre, as imagens revelam uma visão possível do que tem significado habitar o tempo contemporâneo.

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