Performance de Jade Zimbra na exposição "Noite", curadoria coletiva, Rio de Janeiro (RJ) (Foto: Levante Nacional Trovoa)
Entrevista

Mobilização é potência: mulheres negras re-imaginam a arte contemporânea brasileira

Felipe Molitor
30 mar 2021, 14h42

Não há curso d’água sozinho na natureza. O que existem são riachos, fontes, lençóis, ribeirões, quedas e cachoeiras em afluentes e afluentes que correm para o mar – águas que estão no céu, na superfície e debaixo da terra em movimento constante, promovendo trocas, passagens e renovações. É mais ou menos através dessa alegoria sensível que busco compreender e situar o que significa o surgimento e a atuação de um coletivo de mulheres artistas negras no Brasil contemporâneo.

O Levante Nacional Trovoa foi fundado no Rio de Janeiro em 2017 por artistas mulheres reivindicando atenção à visibilidade e inserção das artistas racializadas cis e trans no sistema de arte brasileiro. Enquanto coletivo, o Trovoa busca evidenciar suas produções não hegemônicas que derivam de intersecções raciais passando por indígenas, negras e asiáticas. Hoje o Trovoa atravessa onze estados federativos, sendo eles Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. A interação em rede dá a força e a tônica tanto da criação artística quanto da visibilidade de circulação nacional.

Para conhecer e apresentar um pouco mais a fundo o Trovoa, enviei algumas perguntas para uma entrevista de apresentação do coletivo. As artistas Bianca Leite e Julliana Araújo foram as principais porta-vozes da entrevista a seguir. Algumas das imagens que ilustram este editorial são obras disponíveis no Perfil online do Levante Nacional Trovoa na SP-Arte 365, não deixe de conferir. 

Acima: Performance de Jade Zimbra na exposição "Noite", curadoria coletiva, Rio de Janeiro (RJ) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Gabriela Monteiro, Mariana Rodrigues e Aline Motta na exposição "A noite não adormecerá jamais nos nossos olhos", curadoria de Carollina Lauriano, São Paulo (SP) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Gabriela Monteiro, Mariana Rodrigues e Aline Motta na exposição "A noite não adormecerá jamais nos nossos olhos", curadoria de Carollina Lauriano, São Paulo (SP) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

"Araújo" (2019), Renata Felinto (Foto: Renata Felinto)
Obra de Lidia Lisboa na exposição "A noite não adormecerá jamais nos nossos olhos", curadoria de Carollina Lauriano, São Paulo (SP) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

"Araújo" (2019), Renata Felinto (Foto: Renata Felinto)

Obra de Lidia Lisboa na exposição "A noite não adormecerá jamais nos nossos olhos", curadoria de Carollina Lauriano, São Paulo (SP) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

FELIPE MOLITOR : Vocês poderiam contar sobre o significado das palavras “Levante” e “Trovoa” para o coletivo? Como surgiram e qual a mensagem contida nesse nome?

TROVOA : Levante nos direciona a uma ação de expansão, dá conta de integrar um desejo urgente de ampliação do mercado da arte e artistas racializadas em território nacional. Trovoa, enquanto palavra, dimensiona um efeito natural ao mesmo tempo que pode ser entendido como um movimento divisor de águas, como é o caso do trovão, e do efeito propiciado não só enquanto consequência imediata, e sim como alteração que perpetua e irradia mudança após sua ação, como o caso do espaço depois de receber uma trovoada ou uma trovoa.

Sem título (2018), Julliana Araújo (Foto: Julliana Araújo)

Sem título (2018), Julliana Araújo (Foto: Julliana Araújo)

Obras de Aline Besouro, Carla Santana, e Camilla Rocha Campos na exposição "Noite", curadoria coletiva, Rio de Janeiro (RJ) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Aline Besouro, Carla Santana, e Camilla Rocha Campos na exposição "Noite", curadoria coletiva, Rio de Janeiro (RJ) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

FM : Quais eram os principais objetivos do Trovoa quando o coletivo foi criado, e que novas frentes de atuação surgiram ao longo desses primeiros anos?

TROVOA : As intenções iniciais do coletivo felizmente se mantêm atuais e múltiplas. Algumas são de coletivizar experiências e conectar artistas-práticas no mercado da arte e desenvolver o processo criativo. Atualmente o que se qualificou com o tempo e prática foram as formas de conectar e financiar nossos trabalhos artísticos com as empresas-galerias e reconfigurar esse contato em novas frentes de trabalho e estratégias de forma a nutrir uma relação sadia e de longo prazo com a cadeia criativa que hoje o coletivo se tornou.

Obras de Rycca Lee na exposição "A noite não adormecerá jamais nos nossos olhos", curadoria de Carollina Lauriano, São Paulo (SP) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Rycca Lee na exposição "A noite não adormecerá jamais nos nossos olhos", curadoria de Carollina Lauriano, São Paulo (SP) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Sem título (2020), Raylander Mártis dos Anjos (Foto: Raylander Mártis dos Anjos)
Sem título (2020), Bianca Leite (Foto: Bianca Leite)

Sem título (2020), Raylander Mártis dos Anjos (Foto: Raylander Mártis dos Anjos)

Sem título (2020), Bianca Leite (Foto: Bianca Leite)

FM : O coletivo possui um grande foco nas trocas internas de saberes e práticas entre participantes, bem como no campo da educação e da pedagogia, não é? Poderiam explicar melhor essa dinâmica e qual a importância dela para o fortalecimento do grupo?

TROVOA : A importância da educação é fundamental para nós, a parte de formação é um legado que o coletivo gostaria de contribuir enquanto facilitador na arte. Sabemos que a formação acadêmica ocupa uma esfera muito elitista, principalmente enquanto formação de artista e curadores racializadas em nosso país. Faz parte do que acreditamos tornar acessível conhecimentos para outras artistas e práticas, deixando essa conexão mais próxima e viável do cotidiano dessas profissionais.

Performance de Hariel Revignet e Evelin Cristina na exposição "Das águas se faz tempestade", curadoria de Nutyelly Cena, Goiânia (GO) (Foto: Levante Nacional Trovoa)
Workshop de pigmentos naturais por Okun na exposição "Das águas se faz tempestade", curadoria de Nutyelly Cena, Goiânia (GO) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Performance de Hariel Revignet e Evelin Cristina na exposição "Das águas se faz tempestade", curadoria de Nutyelly Cena, Goiânia (GO) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Workshop de pigmentos naturais por Okun na exposição "Das águas se faz tempestade", curadoria de Nutyelly Cena, Goiânia (GO) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Anne Souza e Priscila Ferraz (esq.) e Deba Tacana (dir.) na exposição "Entremoveres", curadoria de Ariana Nuala e Ana Lira, Recife (PE) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Anne Souza e Priscila Ferraz (esq.) e Deba Tacana (dir.) na exposição "Entremoveres", curadoria de Ariana Nuala e Ana Lira, Recife (PE) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

FM : Vocês poderiam narrar brevemente uma ou duas experiências com o coletivo que consideram emblemáticas, que foram importantes para a consolidação do Trovoa, como uma exposição ou alguma formação promovida?

TROVOA : São inúmeras atividades-projetos e exposições das quais felizmente fazemos parte, como o Chá Trovoa e a SP-Arte.

O Chá Trovoa é quase um ritual de iniciação: tem algo muito poderoso nesse encontro e como ele se dá. Reunimos várias artistas para dividirem seus processos e beber uns drinks. Muitas das artistas que atualmente fazem parte do Trovoa frequentaram o encontro e se conheceram nele.

A SP-Arte do ano passado foi mega importante por ser uma das primeiras feiras internacionais que fizemos de forma totalmente digital como galeria. Tivemos estrutura para representar e curar as obras das artistas do coletivo. Foi bem intenso e gratificante ver que o Trovoa abarca e entrega projetos e trabalhos artísticos ou estratégicos no mercado da arte com tanta qualidade e potência.

Obras de Vitória Sena na exposição "Corpos Furiosos", curadoria de Dhiovana Barroso e Marissa Noana, Fortaleza (CE) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Vitória Sena na exposição "Corpos Furiosos", curadoria de Dhiovana Barroso e Marissa Noana, Fortaleza (CE) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Erica R. e Terroristas del Amor na exposição "Corpos Furiosos", curadoria de Dhiovana Barroso e Marissa Noana, Fortaleza (CE) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

Obras de Erica R. e Terroristas del Amor na exposição "Corpos Furiosos", curadoria de Dhiovana Barroso e Marissa Noana, Fortaleza (CE) (Foto: Levante Nacional Trovoa)

FM : E como vocês avaliam hoje as discussões sobre interseccionalidade e representatividade, tanto no mercado de arte quanto no circuito institucional? Estamos avançando? Se sim, em qual rota?

TROVOA : Acredito que avançamos sim em hábitos gerais, porém em passos pequenos e contínuos. Sempre é bom lembrar que temos distintos trajetos e trajetórias enquanto artistas-território. Com isso, muda o medidor para cada um do que seria o avanço. Um dado relevante é saber que mesmo que estejamos inseridas no mercado artístico-expositivo, ainda são poucas as vezes que estamos trabalhando ou expondo de forma confortável.


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Felipe Molitor é jornalista e crítico de arte, parte da equipe editorial da SP–Arte.

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