Originária da Ásia, a palha natural conquistou adeptos no Brasil desde os tempos da colônia por sua leveza e frescor

14 mar 2019, 21h25

POR REGINA GALVÃO

 

“Quando [eu] fazia móveis, a palhinha quase não existia mais, ninguém usava. Recoloquei a palhinha da tradição colonial. A palhinha vem da Índia e tornou-se uma tradição brasileira. Por longos anos o Brasil usou a palhinha. Servia às condições naturais, especialmente ao calor do Rio de Janeiro e até mesmo de São Paulo. Era um dos elementos necessários ao móvel moderno.”

O depoimento do português Joaquim Tenreiro consta no livro “Madeira, arte e design”, lançado em 1985 para comemorar os 35 anos da empresa João Fortes Engenharia. Na entrevista aos organizadores Ascânio MMM e Ronaldo do Rego Macedo, Tenreiro comenta sobre sua surpresa ao chegar no Brasil, em 1928, e notar que o estilo do nosso mobiliário nada tinha a ver com o clima daqui, seguindo padrões europeus e exibindo muito veludo e adamascado.

Durante a conversa, Tenreiro cita ainda a carta do escritor e diplomata português Eça de Queiroz ao jornalista Eduardo Prado, em 1900, na qual ele faz referência a essa característica nas casas brasileiras: “…não havia uma honesta cadeira de palhinha, onde ao fim do dia, o corpo encontrasse repouso e frescura; e começavam os damascos de cores fortes, os móveis de pés dourados, os resposteiros de grossas borlas, todo o pesadume de decoração estofada com que Paris e Londres se defendem da neve, e onde triunfa o micróbio…”.

Nem sempre foi assim, vale esclarecer. A palhinha esteve presente nos móveis feitos aqui durante o período colonial, especialmente nas mansões do Rio de Janeiro, mas perdeu espaço com a vinda de Dom João VI e a abertura dos portos, o que introduziu o neoclássico nos trópicos, influenciando o hibridismo de estilos na produção local. Ela voltou a se tornar popular a partir dos anos 1940 com a criação dos primeiros exemplares da mobília moderna, cujo pioneiro foi justamente Joaquim Tenreiro. Disposto a fazer itens com dimensões mais adequadas aos espaços da nova arquitetura que surgia e com materiais que melhor servissem ao nosso clima, o designer português passou a empregar o trançado natural em suas peças, ora no assento, ora no encosto, ou em ambos.

“A palhinha não é uma invenção brasileira, mas, ao usá-la com frequência e de maneira muito elegante, Tenreiro a nacionalizou”, considera Graça Bueno, proprietária da galeria Passado Composto Século XX, de São Paulo. Ela lembra de outros clássicos desse período que também se renderam à trama aberta: Geraldo de Barros, com a “M110” (dos anos 1950); Branco & Preto, com a cadeira “Palhinha” (1952); Móveis Ambiente, galeria e fabricante de São Paulo; Sergio Rodrigues, com a cadeira “Lucio” (1956) e a poltrona “Oscar” (1956); Oscar e Anna Maria Niemeyer, com o banco “Marquesa” (1974) e a chaise-longue “Rio” (1978), entre tantos outros. Na SP-Arte, a galerista levará dois exemplares da cadeira “Recurva de Espaldar Alto”, com assento e encosto de palhinha, criada em 1949 por Tenreiro.


Entre os designers contemporâneos, a palha natural continua a fazer sucesso com sua transparência, ventilação e toque artesanal. O carioca Gustavo Bittencourt emprega o material desde 2009, quando ainda estudante de design criou a poltrona de balanço “Nonô”. Em seu portfólio constam ainda diversas outras peças nesse estilo. As mais recentes são as da linha “Benjamim”, composta de uma cadeira e uma poltrona com apoio de pés, que ele mostrará na próxima edição da SP-Arte. “Gosto da leveza e do conforto que ela proporciona. Além disso, o material se molda suavemente ao corpo”, diz ele.

Gerson de Oliveira, dupla de Luciana Martins no estúdio de design Ovo, retoma a matéria-prima na nova coleção depois de dez anos. “Por mais que o material faça referência ao passado, nossa intenção foi sempre atualizar esse elemento, como fizemos com a cadeira ‘Terceira’ e a linha de biombos ‘I Beg Your Pardon’, que utilizavam telas inteiriças combinadas a estruturas de madeira”, conta ele. “Voltamos com a trama mais aberta nas cadeiras ‘Alça’ e ‘Trapézio’, pois a transparência ajuda a evidenciar as linhas sinuosas das estruturas de madeira”, afirma Gerson.

 


Regina Galvão é jornalista formada pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, com pré-MBA em Marketing pela Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) e pós-graduação em História da Arte pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo. Como editora, trabalhou em revistas como Casa Claudia, da Abril, e Casa Vogue, da Globo Condénast. Em 2018, participou da equipe de curadoria da mostra Brazilian Stones, Original Design, coordenada por Adélia Borges na Vitória Stone Fair, em Vitória, e foi curadora das exposições MoMA Design – Acervo Fiesp (2017), no D&D Shopping; Pensamento Circular (2014), no Museu da Belas Artes (Muba); entre outras.
Setor Design
Nesta 15ª SP-Arte, o setor Design chega a sua quarta edição. Voltado a mobiliário, iluminação e antiquário, o setor reúne os principais designers contemporâneos do país, assim como nomes clássicos do desenho brasileiro.

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