Detalhe do livro "O meio é a massagem" de Marshall McLuhan e Quentin Fiore Ubu Editora
Arte

Seis publicações de arte

Barbara Mastrobuono
13 mai 2020, 13h58

O mundo das publicações de arte é um mundo extremamente rico. Formado de diversas categorias – que por si só já rendem um texto a parte — como monografias, catálogos, livros de artista, livros de arte, dissertações e teses, talvez a característica mais significativa da classe seja a interdisciplinaridade. Uso esse termo para me referir ambos ao conteúdo e a forma. Não é raro que, por exemplo, uma publicação sobre arquitetura tenha um conteúdo que mistura teorias da performance ou de vanguardas europeias, ou que um livro sobre assuntos acadêmicos assuma um formato experimental. Do mesmo modo, o olho criativo do artista frequentemente se mistura com o do designer (nos casos em que não se trata da mesma pessoa), e assim é criado um livro que por meio de seu formato consegue marcar presencialmente o assunto discutido no miolo.

Que fique claro que esse tipo de experimentalismo editorial não é exclusivo das publicações de arte – o desdobramento das relações de forma e conteúdo são amplamente explorados em livros de literatura, teatro ou qualquer outro tipo. Os livros infantis, por exemplo, podem ser considerados um predecessor aos livros de arte, já que neles se abraça sem medo a ideia do livro como objeto (autoras como Suzy Lee ou Istvan Banyai são alguns dos nomes que vale a pena conhecer nesse sentido). Mas existe um fascínio específico nas publicações artísticas. Talvez pelo fato que alguns conceitos a gente só consiga absorver quando forçados a sair de nossa zona de conforto. Ou talvez por como muitos desses livros conseguem falar de assuntos grandiosos por meio de pequenos exercícios que parecem, à primeira vista, estranhos.

Aqui em casa, adotei algumas categorias para organizar minha biblioteca. Tento separar as publicações por gênero e região, não porque acredito em bibliotecas organizadas ou na existência de gêneros literários (ou mesmo regiões), mas porque algo precisava ser feito para eu localizar meus livros mais rapidamente. A estante mais interdisciplinar, para recuperar a palavra usada no começo do texto, é a estante dos livros de arte. Camuflados entre catálogos, livros de artista ou livros de teoria se encontram publicações curiosas, dedicadas a análise de objetos ou movimentos que passam batido à primeira vista. Para ilustrar, mesmo que só uma fração, da grande variedade de possibilidade de publicações neste mundo afora, fiz uma seleção desses livros no-meio-do-caminho-um-pé-aqui-um-pé-lá para compartilhar com vocês. O meu critério de escolha, assim como a grande maioria das tiradas artísticas, é completamente subjetivo. São publicações curiosas que por meio de análises de bancos de madeira, ou publicações sem ISBN, e até da planta de diversas câmaras de deputado espalhadas pelo mundo, conseguem entrar a fundo em questões políticas e econômicas que regem nosso mundo e desempenharam um papel para nos encontrarmos onde estamos agora. Espero que sirvam para inspirar, atiçar sua curiosidade ou, no melhor dos mundos, te fazer esboçar um sorriso pela criatividade dos autores e editores.

Acima: Detalhe do livro "O meio é a massagem" de Marshall McLuhan e Quentin Fiore
Ubu Editora

Princton
Architectural
Press

We sit together — Utopian benches from the Shakers to the Separatists of Zoar

[Sentamos juntos — Bancos utópicos dos Shakers aos Separatistas de Zoar]

Francis Cape

 

Uma espécie de pré-catálogo, o livro reúne a pesquisa realizada pelo artista britânico Francis Cape em seu projeto de reconstruir 25 bancos de comunidades utópicas estadunidenses que surgiram no século 19 como forma de protesto ao sistema capitalista. Os bancos, que são uma manifestação física da filosofia coletiva que regia essas comunidades, foram recriados por Cape e expostos de forma itinerante entre 2012 e 2013. Sempre respeitando sua natureza coletiva, foram dispostos frente a frente e sem hierarquizações. Eram então ativados pelos visitantes da exposição, que, sentados juntos, se engajavam em conversas. Pelo fato dos bancos não terem costas, era criado assim um terreno de igualdade, onde qualquer interlocutor pudesse se virar em diversas direções para falar com aqueles na sua frente e aqueles atrás de si. O texto introdutório é do curador Richard Torchia, e o livro inclui explicações sobre as comunidades utópicas, além de desenhos feitos por Cape e registros dos bancos reconstruídos. Um livro que nos faz pensar sobre coletividade e comunidade, e, principalmente, a construção conjunta de um futuro.

Capa do livro "We sit together – Utopian benches from the Shakers to the Separatists of Zoar" [Sentamos juntos – Bancos utópicos dos Shakers aos Separatistas de Zoar] de Francis Cape. (Foto: Gustavo Colombini)

Capa do livro "We sit together – Utopian benches from the Shakers to the Separatists of Zoar" [Sentamos juntos – Bancos utópicos dos Shakers aos Separatistas de Zoar] de Francis Cape.
(Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "We sit together – Utopian benches from the Shakers to the Separatists of Zoar" [Sentamos juntos – Bancos utópicos dos Shakers aos Separatistas de Zoar] (Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "We sit together – Utopian benches from the Shakers to the Separatists of Zoar" [Sentamos juntos – Bancos utópicos dos Shakers aos Separatistas de Zoar]
(Foto: Gustavo Colombini)

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Sternberg Press

Presence [Presença]

Jürg Berthold, Pillip Ursprung, Mechtild Widrich (Ed.)

 

Editado por Jürg Berthold, Pillip Ursprung e Mechtild Widrich, “Presence” é o registro de um workshop de mesmo nome realizado no lendário Cabaret Voltaire, em Zurique, local de criação do movimento dadaísta. Quatorze acadêmicos de diversas áreas são convidados para conversar sobre o conceito de presença durante dois dias – o primeiro sozinhos, e o segundo com plateia. O caminho seguido pela publicação é muito interessante: disposta como uma dramaturgia, os participantes são transformados em personagens, e a forma do livro em si suscita questionamentos sobre presença, com interferências feitas por textos externos, slide-shows e até o “Homem que não estava lá”, Michael Hempe, que apesar de ter perdido o workshop fez intervenções por escrito no próprio livro. Para além de tudo o livro também discute as questões políticas da vida acadêmica e artística, que passa a depender de “mostrar resultado” para conseguir financiamento.

Capa do livro "Presence" [Presença] de Jürg Berthold, Pillip Ursprung, Mechtild Widrich (Ed.). (Foto: Gustavo Colombini)

Capa do livro "Presence" [Presença] de Jürg Berthold, Pillip Ursprung, Mechtild Widrich (Ed.).
(Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "Presence" [Presença] de Jürg Berthold, Pillip Ursprung, Mechtild Widrich (Ed.). (Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "Presence" [Presença] de Jürg Berthold, Pillip Ursprung, Mechtild Widrich (Ed.).
(Foto: Gustavo Colombini)

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Ubu Editora

O meio é a massagem

Marshall McLuhan, Quentin Fiore

 

Um clássico cult, esse livro de 1967 apresenta uma previsão quase sinistra do que se tornaria o nosso futuro no quesito mídias e comunicação. Trabalhando com o conceito de “aldeia global”, Marshall McLuhan constrói uma narrativa distópica sobre a individualização coletiva do ser humano. Feito em parceria com o designer Quentin Fiore, o livro reúne imagens e fragmentos de texto para, no ato do folhear, construir fisicamente com o leitor o processo de comunicação que lhe rende o subtítulo “inventário de efeitos”.

Capa do livro "O meio é a massagem" de Marshall McLuhan e Quentin Fiore. (Foto: Gustavo Colombini)

Capa do livro "O meio é a massagem" de Marshall McLuhan e Quentin Fiore.
(Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "O meio é a massagem" de Marshall McLuhan e Quentin Fiore. (Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "O meio é a massagem" de Marshall McLuhan e Quentin Fiore.
(Foto: Gustavo Colombini)

sparte-editorial-livro03-3
Onomatopee

Inventory of Possible Narrations

[Inventário de narrativas possíveis]

Paul Hendrikse (Ed.)

 

Uma antologia de contos de quatro autores sul-africanos e um holandês que foram convidados para escrever sobre a vida da escritora e poeta sul-africana Ingrid Jonker. Jonker, que cometeu suicídio em 1965 aos 32 anos, tornou-se um ícone em seu país natal após a queda do regime do Apartheid. Os escritores foram apresentados com uma série de fotografias de interiores, lugares onde Jonker viveu, escreveu ou se reuniu com seus colegas durante as décadas de 1950 e 1960. Essas fotografias foram usadas pelos autores para firmar a narrativa. O livro é resultado do projeto “Hauntology of Smoke and Ochre”, desenvolvido pelo artista visual Paul Hendrikse (um dos editores desta publicação), que ocorreu entre 2009 e 2012 e consistiu em colaborações intensas com atores, escritores, fotógrafos e filósofos, resultando em performances, publicações, uma instalação de vídeo, textos, apresentações de slide e, por fim, esse livro.

Capa do livro "Inventory of Possible Narrations" [Inventário de narrativas possíveis] de Paul Hendrikse (Ed.). (Foto: Gustavo Colombini)

Capa do livro "Inventory of Possible Narrations" [Inventário de narrativas possíveis] de Paul Hendrikse (Ed.).
(Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "Inventory of Possible Narrations" [Inventário de narrativas possíveis] de Paul Hendrikse (Ed.). (Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "Inventory of Possible Narrations" [Inventário de narrativas possíveis] de Paul Hendrikse (Ed.).
(Foto: Gustavo Colombini)

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XML

Parliament [Parlamento]

XML

 

Publicado pelo estúdio holandês de arquitetura XML, “Parliament” explora o relacionamento de via de mão-dupla entre espaço e política, documentando e comparando os Plenários dos parlamentos de todos os 193 estados-membros das Nações Unidas. Quase como um arquivo manual, o livro documenta os salões em escala, além de fornecer dados relevantes e a localização dos salões dentro do edifício parlamentar. Organizado como um léxico, o livro permite a comparação entre os 193 parlamentos do mundo. Um dos resultados dessa comparação é o estabelecimento de tipologias recorrentes no formato dos parlamentos: bancos opostos; semicírculo; ferradura; circulo e, finalmente, sala de aula, tipologia utilizada em países autoritários. A Câmara dos Deputados, em Brasília, que conta com desenho de Oscar Niemeyer e é reconhecida no prefácio do livro como uma das principais do mundo, apresenta formato de sala de aula.

Capa do livro "Parliament" [Parlamento] de XML. (Foto: Gustavo Colombini)

Capa do livro "Parliament" [Parlamento] de XML.
(Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "Parliament" [Parlamento] de XML. (Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "Parliament" [Parlamento] de XML.
(Foto: Gustavo Colombini)

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Salon für
Kunstbuch

NO-ISBN: on self-publishing

[SEM ISBN: sobre a auto-publicação]

Bernhard Cella, Leo Findeisen, Agnes Blaha (Ed.)

 

Esse livro investiga 1.800 publicações contemporâneas que deliberadamente se removeram do ISBN, o International Standard Book Number [Número Padronizado de Livro], sistema internacional de identificação de livros e softwares que utiliza números para classificá-los por título, autor, país, editora e edição. O livro reúne uma breve história da mídia, desde o letterpress do século 15 ao presente digital, um registro de livros sem ISBN, um índice de feiras de livros de artista e fanzines, manifestos de vanguardas históricas e contemporâneas assim como textos sobre livros de artista e o fenômeno da auto-publicação, vinculando a ideia de NO ISBN à arte conceitual e configurando um tributo e livro-referência àqueles que optaram por se remover do sistema comercial internacional.

Capa do livro "NO-ISBN: on self-publishing" [SEM ISBN: sobre a auto-publicação] de Bernhard Cella, Leo Findeisen, Agnes Blaha (Ed.). (Foto: Gustavo Colombini)

Capa do livro "NO-ISBN: on self-publishing" [SEM ISBN: sobre a auto-publicação] de Bernhard Cella, Leo Findeisen, Agnes Blaha (Ed.).
(Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "NO-ISBN: on self-publishing" [SEM ISBN: sobre a auto-publicação] de Bernhard Cella, Leo Findeisen, Agnes Blaha (Ed.). (Foto: Gustavo Colombini)

Detalhes do livro "NO-ISBN: on self-publishing" [SEM ISBN: sobre a auto-publicação] de Bernhard Cella, Leo Findeisen, Agnes Blaha (Ed.).
(Foto: Gustavo Colombini)

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Barbara Mastrobuono é editora, tradutora e pesquisadora. Trabalhou em casas editoriais como Editora 34 e Cosac Naify, e atuou como coordenadora editorial da Pinacoteca de São Paulo. Entre os títulos que traduziu estão “Tunga, com texto de Catherine Lampert; “Poesia Viva”, de Paulo Bruscky, com texto de Antonio Sergio Bessa; e “Jogos para atores e não autores”, de Augusto Boal. Defendeu sua dissertação de mestrado pelo departamento de Teoria Literária da USP.

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