“A intenção é desenvolver um projeto de muita intensidade e potência, de entrega, de representação e, por que não, de risco”, afirma Paula Garcia, curadora do setor

5 mar 2018, 11h53

Durante a última Bienal de Veneza, o recifense Paulo Bruscky – um dos cinco artistas brasileiros participantes da 57a edição do evento na cidade italiana – apresentou uma performance que rendeu assunto no cenário artístico do mundo todo. Na ocasião, ele chegou à sede do evento em uma gôndola com trinta caixas de obras transportadas, em seguida, por carregadores vestidos de macacão. Quando chegaram ao seu destino, Bruscky empilhou um caixote em cima do outro e nunca os abriu. A frase “Arte se embala como se quer” estava estampada nas roupas, em faixas e nas caixas de madeira: a performance de Bruscky era como um manifesto, que mostrava o quão profunda a arte deve ser para além de sua embalagem.

A apresentação de Bruscky num dos eventos mais relevantes da arte mundial é um exemplo da força da produção em performance no Brasil e sua consagração internacional. Neste cenário, a SP-Arte não poderia deixar de incorporar a expressão artística à sua programação, o que faz desde 2015, ao trazer diversas performances para o Pavilhão da Bienal. Para a sua 14a edição, a SP-Arte/2018 decidiu aprofundar e intensificar ainda mais sua relação com o estilo artístico, dedicando um ambiente especialmente para as apresentações. A ação anda lado a lado com o pensamento de Bruscky: aprofundar cada vez mais a relação do público com a arte contemporânea.

 


Para isso, a artista, curadora independente e colaboradora do Marina Abramovic Institute Paula Garcia foi convidada para reunir e criar uma dinâmica conjunta entre os artistas neste espaço. A ideia é que os visitantes façam uma imersão no ambiente sem data e hora marcada: os performers se apresentam simultaneamente sem qualquer interrupção durante os cinco dias do evento por oito horas seguidas. “A intenção é desenvolver um projeto de muita intensidade e potência, de entrega, de representação e, por que não, de risco”, afirma Paula. A maratona artística requer bastante preparo: os artistas chegam antes das portas do Pavilhão se abrirem e são os últimos a irem embora. “Eles vão se preparar para aguentar ficar lá todo este tempo sem sair nem para ir ao banheiro. Minha intenção é que as apresentações virem uma única cena e o espaço se transmute ao longo do processo de acordo com a disposição dos artistas”, completa a curadora.

Cinco artistas e coletivos foram escolhidos a dedo para integrar a programação: Brechó Replay, Karla Girotto, Paul Setúbal, Gabriel Vidolin e a dupla Protovoulia, formada por Jessica Goes e Rafael Abdala, vão coabitar o espaço de 220 metros quadrados, localizado ao final do segundo piso do Pavilhão. “A performance é a vida desses caras. Eu tenho certeza que são esses os nomes que vão fazer história”, explica Paula, ao justificar sua seleção.

Conheça abaixo cada uma das performances apresentadas:


"Compensação por excesso", de Paul Setúbal

O corpo e seu uso, o controle e o abuso de poder são temáticas presentes em todo o trabalho do goiano Paul Setúbal, que produz em diversos suportes, como pintura, fotografia, escultura e performance. Ele já usou seu próprio sangue e materiais como fogo e ferro em suas ações que são comumente gravadas em vídeos e fotos. Para a SP-Arte/2018, Paul pretende mexer com o conceito do mercado de arte e, para isso, está montando uma engenharia que deve incluir obras de alguns artistas de peso histórico e comercial. “Estou sondando galerias, instituições e coleções que topem correr o risco e me emprestem peças do seu acervo. Se ninguém topar, o trabalho não vai acontecer”, desafia o artista. Alguém se habilita?

 

 


"Aphotecary ", de Gabriel Vidolin

Há seis anos trabalhando como chefe do projeto de gastronomia Leão Vermelho, em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, Gabriel Vidolin percebeu que também poderia atuar no campo das artes. “O meu trabalho acontece no jantar e não pode ser repetido nunca, é uma experiência. E isso perpassa a pesquisa da performance. Quis unir os dois”, conta o chefe de 28 anos, que já passou por restaurantes como Factorio e D.O.M. Para sua ação, ele investiga os poderes de cura da comida: pode um cozinheiro curar um sentimento? Só quem provar seus pequenos bocados poderá responder à pergunta.


"Debris", do coletivo Protovoulia

Protovoulia é o nome do coletivo formado pelo goiano Rafael Abdala e pela carioca Jessica Goes, que trabalham apenas com obras em processo – como a performance – e não efetivamente com seu resultado. Para o Festival, a dupla cria um cenário impactante, com um grande volume de cinzas provenientes de resíduos carbonizados, além de vasos antigos de porcelana. A partir daí, todos os tipos de ação podem ser realizadas: quebrar, espalhar, juntar, guardar…tudo o que eles puderem fazer com o material durante as oito horas diárias de performance. Haja criatividade!


"Dança estranha" e "Só se me dormirem", por Karlla Girotto

Imagine um concurso de dança em que não há competidores: é o que Karlla Girotto propõe para sua “Dança estranha”, em que compete consigo mesma. Ela também convida o público a transformá-la colocando um acessório ou escolhendo a música de uma playlist. Já em “Só se me dormirem” diversas mulheres convidam o público para dançar. Mas a tarefa não será simples: cada casal dança num ritmo diferente. “Quando tenho a oportunidade de incluir o público na minha pesquisa, posso esgarçar a realidade para criar um campo de forças com diversas experiências diferentes. E aí, eu tenho um material infinito para trabalhar”, conta a artista, também criadora e colaboradora do grupo de pesquisa de arte, moda e saberes manuais G>E (lê-se grupo maior que eu), que trabalha no cruzamento da arte, sediado na Casa do Povo.


Ações do Brechó Replay

As passarelas também são espaços de performance. Para o Brechó Replay, a moda vai ainda além: é uma expressão da individualidade das pessoas e um indício das particularidades de um grupo. Por isso, o projeto usa a moda como uma ferramenta de crítica social para contemplar as minorias por meio de editoriais, festas, projetos multidimiáticos – ou uma longa e colorida performance, no caso da SP-Arte/2018. Seja comercializando roupas do seu acervo ou estimulando a moda do reuso, a plataforma criativa enaltece a força política dos corpos.

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