Curadora do setor Solo da 15ª edição da SP-Arte, Alexia Tala escreve sobre os processos de criação da artista chilena María Edwards

12 fev 2019, 16h09

Por Alexia Tala

 

A observação do território tem configurado um longo e denso capítulo na história das imagens e representações da América Latina. Seja do ponto de vista científico ou do poético, o território tem sido motivo de especulações não apenas estrangeiras como também próprias, assumindo importância na construção dos imaginários e da identidade do continente.

Na arte contemporânea encontramos uma série de artistas que lêem e conjugam o olhar abstrato do espaço geográfico com uma sensibilidade contemplativa em relação à paisagem e aos lugares, mostrando que esses dispositivos de olhar muitas vezes se separam apenas na aparência. É o caso da obra da María Edwards, artista chilena cuja obra é motivada pela assimilação de formas e pela criação de relações entre as coisas, usando ordens do universo e a experiência como guias. Seu trabalho é fundamentalmente recreativo: cria instalações como grandes constelações de objetos encontrados, que organiza a partir de relações mentais ou traduz de acordo com o registro dos seus percursos e descobertas.

A importância de organizar objetos de uma ou outra maneira é a possibilidade de brincar com as relações, sempre sutis, que podem ser estabelecidas entre eles, interações que nos permitem observar de outra maneira o pensamento no todo. O espaço é abstraído e reduzido a relações nas constelações ou micro-universos de Edwards, inspirados em matrizes como a física e astronomia. A partir delas, gera composições de alto rigor formal, pureza estética e controle material.

Seus trabalhos – que nascem da exploração territorial tanto em cidades quanto em áreas rurais, que geralmente costuma fazer de bicicleta ou de carro, acumulando objetos – não são “resultados finais”, já que podem ser modificados, transformados ou crescer (depois de serem exibidos muitas vezes, eles se desmontam e precisam ser montados novamente). A operação do percurso e a coleta no processo, e sua recriação e/ou tradução, são questões que atravessam sua obra. Ela desdobra o recurso documental da sua experiência de passagem pelos espaços, dando forma a ela através dos objetos.

Mas isso também é possível em um formato bidimensional. Algumas de suas obras consistem em constelações inscritas em superfícies de lousa. Contidas apenas pelas bordas, muitas anotações de giz são sobrepostas preenchendo os espaços pretos; linhas e desenhos se conectam sem gerar interrupções significativas, colaborando com uma sensação de acumulação de ideias, uma metáfora sobre como o pensamento funciona de maneira caleidoscópica.

Através dessas interações, é aberto um novo espaço; um terceiro espaço não representável que tem a ver com o vazio entre as coisas e que, como potência pura das relações, é foco de suas instalações: apontar e sublinhar esse vazio com propostas de organização espacial cuidadosamente elaboradas. É por isso que suas instalações transmitem uma sensação de fragilidade. Essas sensações nos remetem àquele vazio na forma do ar. Os objetos se tornam assim pausas de um mesmo percurso infinito, pontos dentro de uma estrutura que se expande.

As peças, objetos, fragmentos e desenhos em folhas, mas também as lousas e as anotações, se compensam e se sustentam entre si nessa suspensão, deixando em evidência tanto quanto as obras a estrutura que não começa nem termina em um determinado lugar.  O ateliê se torna um grande cenário no qual podemos ler sua presença, por um lado, como mais um elemento ou ponto entre as linhas imaginárias que completamos e, por outro, como a insinuação de uma dimensão quase performática (aqui é provável que sua formação em cinema tenha ajudado administrar esses recursos audiovisuais de forma inteligente).

Na SP-Arte a artista mostrará um projeto inédito consistente da materialização de viagens imaginárias que misturam a tradição dos exploradores de séculos atrás com a maneira de explorar o mundo hoje.

 


Alexia Tala
Curadora independente e diretora artística da Plataforma Atacama, Alexia Tala é especializada na pesquisa da arte latino-americana. Mais recentemente, se dedicou à curadoria geral da Bienal de Arte Paiz de 2020, na Guatemala, e à publicação de uma monografia sobre a chilena Lotty Rosenfeld. Foi co-curadora da 8ª Bienal do Mercosul – Ensaios de geopoética e da 4ª Trienal Poligráfica de San Juan de Puerto Rico, na 20ª Bienal de Arte Paiz da Guatemala. Escreve também para publicações de arte na América Latina e no Reino Unido, além de ser autora de “Installations and Experimental Printmaking” (UK, 2009). É responsável pela curadoria do setor Solo, na próxima SP-Arte.
Setor Solo
Criado em 2014, o Solo é dedicado à exibição de projetos curatoriais focados em um único artista. Mais de cinquenta galerias nacionais e internacionais passaram pelo setor nos últimos cinco anos, como Blank (África do Sul), Casas Riegner (Colômbia), Elba Benítez (Espanha), Fragment (Russia), Nara Roesler (Brasil), Richard Saltoun (Inglaterra) e Ruth Benzacar (Argentina).
Representada pela Galería Patricia Ready, María Edwards foi selecionado para compor o eixo “Expedições imaginárias, medições do invisível” do setor Solo na próxima SP-Arte. A 15º edição acontece de 3 a 7 de abril de 2019, no Pavilhão da Bienal (Parque Ibirapuera).

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