Editorial
Curadoria 365
Curadoria 365 : Design com história
Regina Galvão
14 mai 2021, 8h
Como eu fiz minha seleção de peças nesta primeira edição do Curadoria 365? Bom, primeiro é preciso dizer que eu acompanho o trabalho de todos os designers selecionados há bastante tempo e, com exceção dos vasos do Alva Design, lançados nesta ação da SP–Arte com a plataforma Preview, eu já conhecia as obras e sabia de seus conceitos, umas mais do que as outras, porque são criações de anos anteriores. Todas são peças atemporais, o que me agrada muito. Vale citar inclusive a proposta da Etel com a Inês Schertel, que retoma um produto existente para dar a ele uma nova roupagem.
Eu procurei também trazer diversidade de tipologias e materiais: tem de madeira a pedra-sabão, passando pelo metal como no caso da poltrona Alta 22, de Paulo Mendes da Rocha com o escritório de arquitetura MMBB. Há nomes consagrados e os da nova geração. Cito aqui Gustavo Bittencourt, a dupla mineira do Alva e Ana Neute, que com mais dois profissionais assina os carimbos Bioma, proposta lúdica, pouco comum e muito atual.
Para mim, esse seleto conjunto de design contém grande expressividade artística. No caso da obra de Maria Fernando Paes de Barros, é pura poesia. Vi o trabalho em uma praça arborizada de São Paulo e ele me tocou profundamente, ainda pelo momento que estamos vivendo no país com ameaças frequentes aos povos indígenas.
Eu acredito que um produto deve fisgar você primeiro pelo olhar, mas, sem dúvida, a história e o propósito dele despertam o desejo de possuí-lo.
Jacqueline Terpins
“Aparador U em balanço”, 2019
Mobiliário: 70 × 220 × 85 cm
Jacqueline Terpins
Quem acompanha o trabalho de Jacqueline Terpins sabe de seu gosto em desafiar os limites dos materiais, seja no vidro ou na madeira. O “Aparador U em balanço” é um exemplo. A base com dois volumes de madeira idênticos sustenta o tampo oval em uma das extremidades. Do outro lado, o tampo até parece levitar. A estrutura em balanço, recurso muito aplicado na arquitetura, reforça a leveza visual do conjunto: apenas três elementos de linhas orgânicas dispostos de maneira nada convencional. E é assim, com olhar inovador e precisão cirúrgica, que a paraibana radicada em São Paulo transforma há anos móveis em esculturas.
Marcelo Alvarenga e Susana Bastos
“Anatomia II”, 2021
Objeto: 16 × 27 × 27 cm
Alva
Susana Bastos e Marcelo Alvarenga — ela, artista plástica, e ele, arquiteto —apropriam-se da matéria-prima popular entre os artesãos de Minas Gerais, estado de origem da dupla, para introduzi-la no rol do design contemporâneo. Desde 2014, a dupla do Alva Design projeta objetos escultóricos com a pedra-sabão. Desta vez, os vasos biomórficos Anatomia I e II exploram o conceito da dualidade: duro e mole, dentro e fora, positivo e negativo. A inspiração vem da corda enrolada. No vaso I, os gomos são esculpidos na parte interna e, no II, na externa, o que evidencia a plasticidade dessa pedra de tradição secular.
Maria Fernanda Paes de Barros
“Onde quero deixar meu reflexo?”, da série “Reflexos”, 2020
Escultura: Dimensões variáveis
Yankatu
Em “Onde quero deixar meu reflexo?”, a paulistana Maria Fernanda Paes de Barros evidencia sua maturidade profissional, alcançada em poucos anos dedicados ao design-arte. Aqui, ela se une ao artista Kulikyrda Mehinaku, do alto Xingu, para alertar sobre as queimadas nas florestas brasileiras. De um lado, o banco zoomorfo, característico da cultura indígena. Do outro, o galho partido e, entre os dois, um espelho, representando a divisão entre a arte e a natureza negligenciada pela ação do homem. Ao convidar a sentar, a dupla sugere um momento de reflexão sobre como nossas ações determinam o futuro do planeta.
Paulo Mendes da Rocha + MMBB
“Poltrona Alta 22”, da série “,Ovo Public”, 2020
Mobiliário: 63 × 80 × 77 cm
,Ovo
Assim como a icônica Paulistano, concebida nos anos 1950 para o Clube Paulistano, a “Poltrona Alta 22” nasceu para integrar a linha de mobiliário desenvolvida para o Sesc 24 de Maio, também na capital paulista. Neste projeto, Paulo Mendes da Rocha se alia aos arquitetos Marta Moreira e Milton Braga, do MMBB, para criar esta e outras peças de assentos escultóricos de chapa metálica. A linguagem modernista se mantém, como prefere o prêmio Pritzker de 2006. Por sorte, o selo “,Ovo Public”, de móveis para espaços públicos, está produzindo toda a “Linha 22”, que pode agora ser adquirida para ambientes residenciais.
Etel Carmona e Inês Schertel
“Luminária Lilly”, 2020
Mobiliário: 120 × 50 × 180 cm
ETEL
Em um mundo tão saturado de produtos, agrada ver que é possível reinventar, partindo-se de um mesmo conceito. Na “Luminária Lilly”, parceria de Etel Carmona com a gaúcha Inês Schertel, resgata-se a luminária de piso Poste, desenvolvida anos antes pela designer paulista. Com a intervenção de Inês, a peça ganha cordão de lã que parte das cúpulas de mesmo material e envolve o eixo central, numa ideia de flores pendendo do caule. O contraste entre materiais, texturas e técnicas artesanais dá caráter precioso a este item de princípios racionais.
Gustavo Bittencourt
“Cômoda Verga”, 2018
Mobiliário: Dimensões variáveis
Atelier Gustavo Bittencourt
Da nova geração de designers, Gustavo Bittencourt é um dos que eu vejo ter encontrado caminho próprio. Entre suas peças, destaco a “Cômoda Verga”, uma releitura das cômodas antigas, na qual o designer brinca com volumes, formas e materiais. A madeira maciça se contrapõe ao metal num jogo de quente e frio, leveza e robustez. A caixa volumosa é sustentada pela estrutura delgada, numa referência aos pilotis da arquitetura modernista. Gustavo acrescenta ainda o lúdico ao projeto: nichos vazados permitem trocar gavetas de lugar, criando diferentes composições. Os puxadores reforçam a linha minimalista do móvel, feito em seu ateliê na serra fluminense.
Ana Neute, Otavio Coelho e Thiago Fink
“Bioma”, 2020
Objeto: 6 × 22 × 16 cm
Ana Neute
Formada em arquitetura, Ana Neute desenha luminárias e móveis para empresas nacionais, mas também arruma tempo para pensar em projetos especiais, caso da coleção “Bioma”, concebida com Otávio Coelho e o artista plástico Thiago Fink. Dispostos em caixas, os carimbos reproduzem detalhes de árvores, folhas, galhos e frutos. São esculpidos à mão em madeira de reuso de seis árvores nativas brasileiras: angelim-pedra, cabreúva, freijó, imbuia, jequitibá-rosa e sucupira. A iniciativa prevê a catalogação dessas e demais espécies da nossa flora. Sem dúvida, um objeto de desejo que agrada adultos e crianças.
Claudia Issa
“Vaso Disforma”, da série “Disforma”, 2020
Escultura: Dimensões variáveis
Konsepta
Material ancestral, a cerâmica nos fascina pela sua manualidade e múltiplos efeitos. Na série “Disforma”, Claudia Issa, do estúdio Konsepta, dispensa o torno para esculpir a argila com o efeito da gravidade. O que poderia ser imperfeição revela-se único, chamando a atenção pela rara beleza. A paulista, que atuou muitos anos como designer gráfica, se aventura em novas descobertas para criar peças atemporais e genuínas, como esta.
Confira também a breve entrevista
que fizemos com a curadora.
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