Com recortes e sobreposições, a artista Julia Kater explora as multiplicidades da imagem; veja entrevista

28 nov 2017, 15h20

A partir de recortes e sobreposições de imagens de diferentes escalas, a artista Julia Kater, nascida em Paris e radicada em São Paulo, brinca com as improváveis formas que uma paisagem pode assumir: “Me interessa o fato que uma imagem pode abrigar muitas imagens distintas”, afirma.

A SP-Arte conversou com ela sobre elementos de sua produção – desenvolvida em plataformas distintas como fotografia e vídeo – e sobre seu processo criativo. “A maioria dos trabalhos acontece fora do ateliê. Acontece na observação de cenas de rua, nas relações entre pessoas e espaços, do que é dito e de como ouço”, reflete.

Kater participa do ateliê coletivo Hermes Artes Visuais, que, em agosto, se incorporou ao Circuito Ateliês Abertos, programação integrante da SP-Arte/Foto/2017. Com obras presentes em acervos de instituições como o MAR – Museu de Arte do Rio (RJ), o MON – Museu Oscar Niemeyer (Curitiba) e a Fundação PLMJ (Lisboa, Portugal), ela se prepara agora para um exposição individual no MON, na capital paranaense, a ser inaugurada em 2018.

Confira a entrevista com Julia Kater na íntegra.


SP-Arte: Como é o seu processo de criação? Que caminhos você costuma percorrer? 

Julia Kater: Antes achava que meu processo de criação respeitava uma certa ordem ou um caminho comum. Percebo, cada vez mais, que parto de lugares distintos, e assim, os rumos percorridos também o são. A maioria dos meus trabalhos acontece fora do ateliê. Acontece na observação de cenas de rua, nas relações entre pessoas e espaços, do que é dito e de como ouço.

O vídeo “Breu”, por exemplo, surgiu quando observei uma rua sendo asfaltada e como, nesse processo, eu via o piche contaminar e aderir ao entorno. Lembro de ter visto materiais de trabalho, um regador, luvas… Tudo tomado pelo piche, pareciam fósseis. Associei isso à ideia de como algo pode estar sedimentado, aprisionado, fossilizado. Dessa forma, criei a obra. Esse vídeo mostra em imagens o processo semiartesanal do asfaltamento num terreno baldio, enquanto apresenta em áudio o discurso de alguém confinado entre “o certo e o errado”.

Já a instalação com desenhos de crianças que estavam em processo de alfabetização (fotos 2 e 3) partiu do livro “Le Monde des Autres”, do educador alemão Arno Stern. Ele critica a prática de “desenhos livres sobre temas impostos” nas escolas. Me chama a atenção o quanto essa prática é ambígua já que sugere uma produção livre mas, ao mesmo tempo, direciona e indica temas definidos. Essas ambivalências e contradições nas relações e nos discursos me interessam e muito.


SP-Arte: Você costuma utilizar recortes e sobreposições de imagens em seus trabalhos. Você poderia falar um pouco sobre esses elementos?

JK: Fui percebendo que a natureza de todo processo de aprendizado abriga uma dimensão abstrata e outra concreta, e que elas, apesar de opostas, são inerentes entre si. Trouxe essa ideia para refletir o quanto as imagens carregam uma natureza dicotômica e, o quanto elas podem ser ambivalentes e contraditórias ao mesmo tempo. Me interessa o fato que uma imagem pode abrigar muitas imagens distintas.


SP-Arte: E mais especificamente, o que o recorte significa para você?

JK: Recorte para mim é eleger aquilo que quero ver, falar. No caso dos trabalhos que têm a presença física dos recortes (e não apenas do enquadramento), me interessa mostrar como contornos iguais podem abrigar imagens distintas. Quero explorar a autonomia da linha que se livra da forma e passa a ter outro significado por não tem mais o que, de fato, contornar. Gosto de observar a relação entre as coisas, pensar nas inversões, e fazer com que o recorte subverta uma suposta “ordem”, permitindo que o fundo invada a imagem e tire o protagonismo do elemento central.


SP-Arte: Você poderia comentar as brincadeiras que costuma fazer com a escala e o espaço das coisas?

JK: Gosto de observar os encontros que só existem por conta do enquadramento. Neste ponto, a fotografia é uma ótima ferramenta, pois possibilita encontros de coisas que estão em planos distintos no espaço. Por outro lado, ela pode velar e esconder algo. Sei que isso é obvio, que é a relação do nosso corpo no espaço, mas, para mim, isso sempre pareceu mágico (risos).


SP-Arte: Muitos dos seus trabalhos parecem captar a singularidade de um cotidiano banal, quase invisível. Você reflete sobre isso de alguma forma?

JK: Eu me vejo neste lugar, é no cotidiano que eu habito. E é dele que vêm as referências e imagens que eu utilizo. É também o passar deste cotidiano que permite que a gente perceba o dinamismo de tudo ao redor e observe a linha tênue entre presença e ausência, o quanto tudo está em movimento.


SP-Arte: Quais são seus projetos futuros?

JK: Estou agora pensando nos trabalhos para minha exposição individual no ano que vem no Museu Oscar Niemeyer (MON, Curitiba) e em um livro de artista que será editado pela Urbanautica (Itália, Asolo).

 

 

Interessado no processo criativo de um artista? Conversamos com a artista Carla Chaim, que, ao lado de Julia Kater, integra o ateliê Hermes Artes Visuais. Veja o vídeo aqui.

 

#respirearte

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