Imagem da obra de Rochelle Costi, que compõe o livro "Arquipélago". Todas as imagens utilizadas nesta matéria são cortesia Terra Virgem.
Livro como obra

Artistas criam arquipélago coletivo

SP–Arte
21 jan 2021, 11h46

Um objeto de arte que aflore as sensações sobre a vida na pandemia. Ou, como escreve Roberto Linsker na apresentação do projeto: “(…) a arte como barco, bússola e farol, como marola ou tsunami, arte para chegarmos vivos na praia, ainda que ofegantes.” O editor convidou vinte artistas a registrar o que estavam sentindo no início da pandemia. A ideia foi criar dentro do limite de uma folha em branco, nas medidas 64cm x 94cm – tamanho do papel que entra na bitola da gráfica durante a impressão.

No lugar de um livro comum, a Terra Virgem idealizou o projeto como uma caixa que reunisse todas as obras e pudessem ser vistas de forma aleatória, isoladamente: são livretos, grandes folhas de papel de diferentes gramaturas dobradas ou refiladas em formatos variados, fotografias, contos, registros e abstrações. “Da distância em que estávamos, e ainda estamos, ao material físico, palpável, é como se ao abrir a caixa as sensações todas se concretizassem”, reflete o editor. 

Por isso também o título “Archipelago”, uma metáfora para o isolamento, onde cada um é uma ilha que, unida por ideais em comum, pela arte em si, continuam formando o todo. “A aparente disjunção, as lágrimas que nos inundaram diante de uma realidade de perdas, o navegar sozinho com algumas possibilidades de naufrágio e o oceano digital a nos interligar superficialmente constatam que, afinal, ainda estamos juntos, ligados por crenças, culturas e modos de olhar o mundo”, diz Linsker.

Confira aqui dez obras que compõem o livro. 

Acima: Imagem da obra de Rochelle Costi, que compõe o livro "Arquipélago". Todas as imagens utilizadas nesta matéria são cortesia Terra Virgem.

Bob Wolfenson resgata imagens de sua exposição A caminho do mar, fotografias analógicas realizadas em Cubatão (SP), as quais “trazem uma certa fantasmagoria e acenam para o belo e o terrível em permanente convívio. Neste confinamento estamos também diante dessa névoa — por sinal, altamente fotogênica — e com incertezas sobre o que virá depois que ela se dissipar. Lembrando Paulinho da Viola, ‘façamos como um velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar’”.

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Cristiano Mascaro buscou imagens sobre a fé em seu vasto acervo, em várias fases de sua carreira, em mosaico de tempos e países por onde andou. Indagado sobre essa arqueologia, Cristiano foi sintético nos porquês: “Perdi a fé”.

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Edu Simões, dentro de sua “exaustão do processo de fotografar com câmera”, começou a registrar com celulares há alguns anos. No entanto, os retratos da série Karimu tirados em Angola foram feitos em formato ainda analógico. Para Edu, a escolha desses personagens, todos negros, remete visceralmente às nossas origens africanas, à escravidão que ainda nos persegue e ao racismo que perdura, cada vez mais iniludível. “Não consigo entender este nosso país, que ignora mais da metade de sua população.”

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Gal Oppido criou a obra Shunga, serenos e ofegantes, a partir de um pequeno dicionário português-japonês, recriando desenhos de ritos sexuais muito comuns até o século 19 no Japão, posteriormente proibidos. “Todos os dias da pandemia eu desenhava. Nunca trabalhei tanto como na intensidade da vida familiar confinada. Na minha ‘gruta cênica’ nasceu este projeto.”

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João Castilho, um “fazedor de livro”, como ele mesmo diz, refilou milimetricamente e recriou, com camadas recortadas de imagens, duas cenas, fotografadas sob os títulos O livro dos dias e A longa noite. Obras que puderam ser feitas apenas com os recursos disponíveis no seu ateliê. “Um jogo de camadas, empilhamentos, uma forma de esconder a realidade, de apagamento.”

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Julio Bittencourt, que em 2017 havia fotografado na China para seu projeto Pletora, que trata de relações humanas, grandes cidades e superpopulações. As máscaras faciais protetoras, já tão utilizadas naquele contexto, foram uma premonição da paisagem mundial de 2020. “Fiz trezentos retratos naquela viagem. Todos de pessoas com máscaras. Uma espécie de momento Nostradamus [risos].”

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Luiz Baltar criou uma ficção baseada no livro Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, de Rubem Fonseca. Para isso, “juntei imagens que faço flanando a pé pelo Rio de Janeiro e também transitando de ônibus, momentos que uso para refletir sobre muitas coisas”.

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Marcelo Macca voltou para sua cidade natal onde, protegido pela tranquilidade de um jardim interior, reencontrou-se com a infância por meio do seu caderno do primeiro ano primário, em 1971. Nele, um menino inserido na moral e no civismo da ditadura militar no Brasil. O relato Meu primeiro caderno de política fala do encontro desse garoto com uma nova possibilidade: enxergar através de seus próprios olhos.

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Rochelle Costi passou os primeiros quatro meses de distanciamento social com sua filha Lola Costi Martín na casa onde vivem, em São Paulo. “Enquanto eu lido com a escala através de objetos da minha coleção de curiosidades inseridos em espaços de tamanho ‘duvidoso’, Lola expande possibilidades imagéticas em seu próprio rosto. A cada maquiagem tenta filtrar as emoções que lhe afloram durante a quarentena. Para esta foto juntamos as intenções de cada uma, usando a boca como espaço.”

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Valdir Cruz resgatou fotografias de Faces da floresta, trabalho feito há mais de duas décadas junto aos Yanomami. “Logo no início da pandemia a Covid-19 chegou aos povos indígenas. Sabemos que o governo atual não tem o mínimo interesse nessas comunidades ou na Amazônia. Ao tomar conhecimento dos primeiros casos da doença em lugares onde estive vinte anos atrás, senti a premência de mostrar novamente essas imagens.”

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