Imponente Impotente (2009-2021), André Komatsu (Foto: Divulgação)
Mostra

Arte contra o retrocesso

Felipe Molitor
17 ago 2021, 18h17

No Brasil de hoje, o vão que existe entre o sim e o não parece ainda mais cinzento do que de costume. Valores e pilares fundamentais para a democracia, construídos a duras penas, se deterioram e ficam em xeque diante de tantos ataques. Nesse sentido, como poderia a arte responder ao retrocesso? Esse é o mote de “Dizer Não”, mostra-protesto organizada pelo Ateliê397, que é um dos espaços autônomos mais ativos do circuito artístico da cidade, que está de mudança para a Barra Funda. Ainda em obras, o galpão de 1.200 metros quadrados reúne trabalhos de 47 artistas, em distintos momentos de carreira, costurando diversas linguagens e intervenções no espaço como forma de tomar posição. 

Três organizadoras da exposição — Thais Rivitti, Adriana Rodrigues e Érica Burini — trazem sua voz à SP–Arte e relatam ao que ou a quem dizem NÃO através dessa espécie de curadoria de guerrilha. Para conhecer mais sobre a mostra, o Ateliê397 e como contribuir com o financiamento coletivo, clique aqui

Acima: Imponente Impotente (2009-2021), André Komatsu (Foto: Divulgação)

Sermão da Montanha: Fiat Lux (2021), Cildo Meireles (Foto: Pat Kilgore / Divulgação)

Sermão da Montanha: Fiat Lux (2021), Cildo Meireles (Foto: Pat Kilgore / Divulgação)

Nota de repúdio (2021), Daniel Jablonski (Foto: Divulgação)

Nota de repúdio (2021), Daniel Jablonski (Foto: Divulgação)

“Eu digo NÃO ao discurso que criminaliza o artista, associando sua imagem a de um vagabundo que mama nas tetas do Estado. Essa mentalidade revela uma profunda incompreensão acerca da importância do financiamento público para a cultura num país tão desigual como o Brasil. Digo NÃO à extinção do Ministério da Cultura, aos cortes de orçamento da área, ao fim dos editais. Editais que fomentavam a produção cultural, o intercâmbio interestadual, formas tradicionais — e também mais novas e experimentais — de se fazer arte, as redes colaborativas entre diversos agentes e a economia criativa. Digo NÃO ao reacionarismo, ao negacionismo, ao machismo, à transfobia e à homofobia, bem como ao racismo infelizmente tão presentes nas posições do atual governo.”

Thais Rivitti

Arrivistas (2021), Kauê Garcia (Foto: Divulgação)

Arrivistas (2021), Kauê Garcia (Foto: Divulgação)

Arrivistas (2021), Kauê Garcia (Foto: Divulgação)
Arrivistas (2021), Kauê Garcia (Foto: Divulgação)

Arrivistas (2021), Kauê Garcia (Foto: Divulgação)

Arrivistas (2021), Kauê Garcia (Foto: Divulgação)

Eu digo NÃO à constante neoliberalização do mercado das artes, que explora as diferenças através de uma repaginação da precariedade como oportunidade’; da competição como ‘comunidade’; da transparência como ‘democracia’, e de qualquer ‘atividade’ como sinônimo de eficácia. Também digo NÃO ao desinteresse de boa parte dos benfeitores pela cultura brasileira, quando o patrocínio não vem com incentivo fiscal, passivamente assistindo a nossa cultura ano após ano (literalmente), se reduzir às cinzas. A obra do Kauê Garcia vista na fachada do prédio e dentro da exposição, ‘Arrivistas’ (2021) lida muito com esse tema, e a espetacularização do sofrimento.

Adriana Rodrigues

Pratos típicos – Marmita (1997), Rochelle Costi (Foto: Divulgação)

Pratos típicos – Marmita (1997), Rochelle Costi (Foto: Divulgação)

“Eu digo NÃO ao NÃO. Relembrando esse verso do Caetano, me parece que estamos girando em falso, avançando pouco e retrocedendo muito. Ultimamente, tivemos um momento em que a simples tolerância e aceitação já não nos bastavam. Queríamos mais. O momento agora é outro. As reivindicações são básicas, como o direito de viver, de amar, ou de trabalhar dignamente. A exposição mostra um pouco dessa angústia a partir do campo da arte. Os artistas lidam, cada um à sua maneira, com os horrores do momento e as assombrações do passado, do genocídio mais flagrante ao perigo mais invisível. E as voltas que a história brasileira dá também estão lá representadas, de certa forma. ‘Furo’ de Raphael Escobar, ‘Mil litros de preto: o largo está cheio’ de Lucimélia Romão, e ‘Pratos típicos – Marmita’ de Rochelle Costi, por exemplo, não nos deixam esquecer disso. Há perigo na esquina.

Érica Burini

Crucificado (2018), Bertô (Foto: Divulgação)

Crucificado (2018), Bertô (Foto: Divulgação)


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Felipe Molitor é jornalista e crítico de arte, parte da equipe editorial da SP–Arte.

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