O museu do louvre pau-brazyl é um museu ready-made que ocupa o Edifício Louvre no centro de São Paulo. Conheça mais sobre as exposições e o direcionamento do projeto

15 fev 2019, 11h14

Por Barbara Mastrobuono

 

Em Paris, uma mulher sorridente recebe milhares de visitantes por dia que a fotografam e posam à sua frente com as famílias. Em 2018 foram 10,2 milhões de pessoas a visitar o Museu do Louvre, dos quais quase todas pararam para tirar uma foto com a “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci. Mal sabe ela que ao sul do equador uma irmã gêmea sua reside confortavelmente no museu do louvre pau brazyl.

A iniciativa é dos curadores Jéssica Varrichio e Guilherme Giufrida, residentes de longa data do edifício Louvre, construção paulistana localizada na Av. São Luís e assinada por Artacho Jurado – arquiteto que deixou sua marca pela região central de São Paulo com prédios característicos revestidos de pastilhas azuis e rosas. Além do nome, o prédio também emula o museu francês na presença de réplicas de quadros significativos para o cânone da história da arte, que no caso do edifício adornam a entrada dos blocos virados para a avenida. São quatro, organizados como se fossem prédios únicos em si, cada um ilustrado por dois quadros de seu artista homônimo: os blocos Velásquez, Rembrandt, da Vinci e Renoir. O único bloco desacompanhado de nome ou quadro é o dos fundos, composto em realidade de cinco blocos menores agrupados sob o único nome brasileiro do grupo – o bloco Pedro Américo.

Varrichio comenta que sempre estranhou o fato de os blocos do fundo não terem letreiros. O interesse pela história do edifício fez com que pesquisasse as plantas e antigos materiais impressos do prédio, e foi em um anúncio de vendas do jornal O Estado de São Paulo, da década de 1950, que descobriu a presença de um brasileiro entre os europeus. “Os cinco blocos de fundo são generalizados na figura do pintor brasileiro Pedro Américo. O nome do artista não está registrado em nenhum lugar do prédio, fato que indica rastros da história da colonização, sobretudo no campo da arte”, contam os curadores.

Enxergando no edifício uma relação entre a canonização da arte europeia e a história de colonização nacional, os curadores expandiram suas investigações para construir os eixos que norteiam o museu do louvre pau brazyl. O projeto se propõe a comentar os impactos das instituições como moeda de apaziguamento nos processos de gentrificação urbana; a criação de franquias museológicas e o papel de intensificada importância desempenhada por arquitetos-estrela nessas criações; e o pensamento de uma identidade nacional em constante reconfiguração. Comentam: “Encarando o edifício como um ready-made de museu, criamos uma franquia ficcional. Nos interessa jogar com os deslocamentos dos museus globais e o processo de abertura de franquias, como a iminente sede do Museu do Louvre em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos).”

Estreia do projeto, a mostra “abre-alas” contou com trabalhos de artistas como Cao Guimarães e Laura Vinci intercalados com projetos dos próprios moradores e funcionários do edifício, como o jardim do Jaime, um jardim interno cultivado há anos por Jaime Souza Cerqueira, funcionário do Louvre. Ao engajar os funcionários, moradores e frequentadores do prédio na realização da exposição, os curadores devolvem um caráter comunitário ao prédio, que foi um dos primeiros de São Paulo a contar com áreas abertas destinadas ao desfrute do público em geral. Dentro da dissolução dos limites entre o espaço artístico institucional, a exposição também joga com as fronteiras da arte e não-arte, listando Velásquez, Renoir, Rembrandt, da Vinci e o próprio Artacho Jurado como artistas participantes.

Para sua segunda edição, os curadores escolheram abandonar os corredores e mezanino palacescos com ares de kitsch tropical e abertura para a avenida São Luís para adotar o território de Pedro Américo, em performance que ocupou os fundos do prédio e transitou pela garagem subterrânea. “Desdito”, de Lais Myrrha com Vão e Pio Figueiroa, configura uma releitura do quadro “Independência ou morte!”, de Pedro Américo. Na performance, fanfarras de rua tocaram uma versão do Hino da Independência que se distorce e dissolve à medida que o circuito-procissão avança, dando vida a um novo hino, o Hino Ainda Pendência (com partitura de Henrique Mendonça). Os integrantes da performance pousam para uma foto antes e depois de sua travessia, emulando a comitiva de D. Pedro I em seu posicionamento e nas cores de suas roupas, e as fotos são então penduradas na entrada do bloco Pedro Américo. Subverte-se a hierarquia entre a arte brasileira contemporânea e os cânones europeus, com a nova obra sendo alçada ao mesmo status de seus companheiros de corredor.

Para a terceira edição, que deverá ser realizada em abril de 2019, os curadores pretendem ocupar o lote que se estende entre os fundos do edifício Louvre, Copan e São Luiz Plaza, pertencente à Universidade de São Paulo. Um palco vazio no qual reverberam e ecoam as vozes dos moradores dos três mil apartamentos com vista para os fundos, o terreno é uma espécie de coliseu no qual se representa a vida invisível de uma comunidade de desconhecidos. Serão treze artistas a participar, entre eles Laura Belém – última vencedora do Prêmio de Residência SP-Arte –, Eleonora Fabião e Sandra Gamarra, que irão trabalhar com o espaço do lote e os fundos dos prédios, em uma intervenção arquitetônica a céu aberto – nas palavras dos curadores, “colocando uma moldura em algo que já está acontecendo”.

Ao inverter a fachada do Louvre, os curadores instalam uma entrada virtual para o edifício nos blocos de trás, evidenciando a vida oculta que se desenrola entre a legião de moradores dos fundos da São Luís. Os visitantes entrarão em contato com o Louvre não por reproduções de uma arte canonizada, mas por uma secção há muito invisibilizada dentro da hierarquia do prédio. Esse deslocamento alude a um movimento artístico muito maior, que ocorre quando se abre as portas de um edifício até então removido da visão do público, oferecendo o acesso gratuito à cultura e a colocando no patamar da vivência e das trocas cotidianas. A vivência cotidiana, afinal, pertence a todos, e não somente àqueles que residem atrás de grades cerradas.

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