Gio Ponti (1891-1979), Mesa de centro "ARLECCHINO", c. 1956. Produzida em Milão sob encomenda (rara). © Christie’s Images Limited 2020
Design

A evolução de categorias em casas de leilão: Design

Marina Dias Teixeira
27 abr 2020, 10h29

Desde sua 12ª edição em 2016, a SP-Arte apresenta ao seu público um setor dedicado exclusivamente ao Design. O setor, que expande a cada edição, dá o merecido destaque a peças de mobiliário moderno e contemporâneo, trabalhos de arquitetos e designers independentes. Ao longo dos anos, clássicos do mobiliário modernista e autoral, assim como reedições e produções contemporâneas de design vem ganhando cada vez mais atenção entre colecionadores.

Para entender como se deu a inserção dessa categoria no mercado de arte, conversamos com Simon Andrews, especialista de Design da renomada casa de leilão Christie’s. Simon, que participa ativamente da história do colecionismo de design desde seus primórdios, em meados dos anos ’90, compartilha conosco os destaques dessa linha do tempo tão fascinante, e o papel desempenhado pelas casas de leilão na formalização do mercado.

Acima: Gio Ponti (1891-1979), Mesa de centro "ARLECCHINO", c. 1956. Produzida em Milão sob encomenda (rara). © Christie’s Images Limited 2020

Como se deu a evolução do Design ao longo dos anos na Christie’s?

Simon Andrews: Inauguramos os primeiros leilões de design na Christie’s em Londres em 1996. Embora exemplos de móveis e luminárias do pós-guerra, ou vidro italiano ou escandinavo tivessem sido vendidos conosco desde o início dos anos 80, isso sempre ocorreu em leilões de conteúdo misto que também incluíam Art Nouveau e Art Deco. Assim, ao criar esses novos leilões, conseguimos identificar e estimular um novo mercado. Naquela época, o design ainda era visto como um nicho de interesse. Nos 25 anos desde os primeiros leilões, o mercado ganhou impulso e se diversificou — não apenas através de leilões e revendedores especializados, mas também por meio da importância de feiras de arte, como a SP-Arte, que continuam a trazer novos conhecimentos sobre áreas relacionadas à categoria.

Paavo Tynell (1890-1973), lustre "Snowflake", modelo nº 10.109, década de 1950 (raro). © Christie’s Images Limited 2020 Artisti Barovier (1878-1976), Vaso "Bosco di Betulle", 1914-19. © Christie’s Images Limited 2020
Artisti Barovier (1878-1976), Vaso "Bosco di Betulle", 1914-19. © Christie’s Images Limited 2020

Paavo Tynell (1890-1973), lustre "Snowflake", modelo nº 10.109, década de 1950 (raro). © Christie’s Images Limited 2020

Artisti Barovier (1878-1976), Vaso "Bosco di Betulle", 1914-19. © Christie’s Images Limited 2020

Artisti Barovier (1878-1976), Vaso "Bosco di Betulle", 1914-19. © Christie’s Images Limited 2020

Você poderia compartilhar um episódio memorável na história da categoria em grandes casas de leilão?

SA: Houve muitos — eu gostava muito da fase inicial dos primeiros leilões, quando havia muito a descobrir. É claro que isso foi antes da internet e, portanto, encontrar objetos interessantes era praticamente trabalho de detetive, ou consequência da sorte ou do acaso. Outro momento muito significativo foi a venda da coleção de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé, em Paris, em 2009. Provavelmente a coleção mais importante de Art Deco que já chegou ao mercado, estabeleceu o preço recorde mundial de uma peça de mobiliário do século 20: a poltrona Fauteuil aux dragons, de Eileen Gray, foi vendida por € 21 milhões, um preço mais ou menos equivalente à magnífica pintura de Mondrian vendida no mesmo leilão. O importante desse acontecimento é que provou que o design pode ser tão valioso para os colecionadores quanto a arte impressionista, moderna ou contemporânea.

Eileen Gray (1878-1976), "Fauteuil aux dragons", circa 1917-19 © Christie’s Images Limited 2020

Eileen Gray (1878-1976), "Fauteuil aux dragons", circa 1917-19 © Christie’s Images Limited 2020

Ao longo da sua carreira, quais peças alcançaram recordes inesperados de venda em leilão?

SA: Preços fortes e excepcionais em leilão têm o poder de mudar o rumo do mercado. Como leiloeiros ou especialistas, estamos sempre procurando objetos que tenham a combinação certa de ingredientes especiais, e isso pode ser raridade ou singularidade, objetos que estejam em excelentes condições ou que tenham uma história específica para contar. Muitas vezes, os resultados mais interessantes podem acontecer quando um objeto chega ao mercado na “hora certa”, quando o apetite e o interesse estão em seu pico. Um bom exemplo disso foi quando, em 2005, em Nova York, vendemos uma mesa de jantar exclusiva de 1949 pelo designer italiano Carlo Mollino. Colocamos uma estimativa de US$ 150 a 200.000, mas isso foi rapidamente superado e a mesa foi finalmente vendida frente ao público espantado por US$ 3,8 milhões, estabelecendo um preço recorde para qualquer item de Design pós-guerra, um recorde que permanece até hoje. É claro que esse é um preço excepcional para um item excepcional, e a maioria das obras que vendemos flutua na região entre US$ 20.000 e US$ 200.000. Mas o princípio permanece o mesmo: para obras raras em excelente condição e com excelente procedência, sempre haverá um mercado forte — e isso vale tanto para um item de US$ 20.000 quanto para um de US$ 2 milhões.

Carlo Mollino (1905-1973), mesa em carvalho e vidro para "The Casa Orengo", 1949. Peça única. © Christie’s Images Limited 2020

Carlo Mollino (1905-1973), mesa em carvalho e vidro para "The Casa Orengo", 1949. Peça única. © Christie’s Images Limited 2020

Quais são os seus destaques pessoais de peças pertencentes à categoria?

SA: Como especialista em design da Christie’s há mais de 25 anos, tenho a sorte de dizer que houveram muitos destaques — ao longo dos anos, estabelecemos preços recordes para o Design do século 20, para o Pós-Guerra, para qualquer item de mobiliário do século 20 e para qualquer item de vidro do mesmo século. Mas este é o ápice do mercado, essas peças são extremamente raras, muitas vezes com qualidade a nível de museu, e nesses casos os valores estão na casa das centenas de milhares e, portanto, além do alcance da maioria dos colecionadores e entusiastas. De muitas maneiras, o que mais me interessa é a evolução e o crescimento do mercado, à medida que ele é compreendido e apreciado por mais pessoas. Lembre-se de que faz não muito tempo que, para especialistas em casas de leilões como eu e também para muitos dos revendedores que agora exibem em feiras como a SP-Arte e em outras partes do mundo, o Design era considerado experimental para colecionadores, enquanto hoje é considerado bastante aceitável e quase dominante. Então, para mim, o destaque pessoal é menos sobre objetos individuais, mas sobre o compromisso e entusiasmo compartilhados que ajudaram esse interesse a crescer para um mercado internacional.

Joris Laarman (1979), "Bone Chair". © Christie’s Images Limited 2020

Joris Laarman (1979), "Bone Chair". © Christie’s Images Limited 2020

Quais são os desafios da categoria no mercado de arte?

SA: Existem dois “desafios”, um conceitual e o outro físico — mas, na verdade, esses talvez não sejam desafios, e possam, por sua vez, ser reinterpretados como pontos fortes do nosso mercado. Portanto, o primeiro “desafio” conceitual é que o mercado de design é bastante amplo. Lidamos com muitos tipos diferentes de objetos — cadeiras, iluminação, têxteis, jóias; de muitas épocas diferentes — os anos 30/50/80 e o contemporâneo; e de muitos países diferentes — desde o Brasil até França e Finlândia. É característico da natureza humana querer categorizar as coisas, e o mercado de arte não é diferente. Mas, de várias maneiras, o mercado de Design resiste à categorização, porque tem o potencial de ser tão diverso e variado. Então, na minha opinião, isso é mais uma força do que um desafio, porque significa que, como entusiastas do design, podemos ser muito versáteis em nossos interesses. O segundo desafio é real, e consiste na natureza física dos objetos. Geralmente, os colecionadores desejam conviver com e usar as peças que compram — e muitas vezes há um limite para a quantidade de móveis que podem ser colocados ​​em uma casa, especialmente em se tratando de peças grandes. Obras de arte como pinturas podem ser facilmente transportadas por todo o mundo e são fáceis de armazenar, então aqui está uma grande diferença no mercado de móveis de design. Porém, é importante considerar as semelhanças entre os mercados de arte e design: qualidade, raridade, proveniência e inovação. Esses são os principais fatores comuns aos dois mercados e, o que é mais importante, sempre existe a chance de fazer descobertas empolgantes, tanto para artistas e designers históricos quanto para os contemporâneos.

Gerrit Thomas Reitveld (1888-1964), Poltrona "Hoge". Projetada em 1919 e produzida entre 1962-64. © Christie’s Images Limited 2020 Ao lado: John Makepeace (1939), cadeira 'Millenium 3', 1989 (rara). © Christie’s Images Limited 2020
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Gerrit Thomas Reitveld (1888-1964), Poltrona "Hoge". Projetada em 1919 e produzida entre 1962-64. © Christie’s Images Limited 2020

Ao lado: John Makepeace (1939), cadeira 'Millenium 3', 1989 (rara). © Christie’s Images Limited 2020

Qual é o desempenho da categoria em leilões online?

SA: Você precisará me fazer essa pergunta novamente daqui a doze meses, pois o mundo online está mudando muito rapidamente no momento. Tradicionalmente, com o Design, nossas vendas online costumavam se concentrar em itens menores, como luminárias, joias, vidro ou cerâmica, que eram portáteis e fáceis de transportar. Geralmente resistíamos em colocar itens maiores, como móveis, nas vendas online porque a logística era mais complicada. Mas o futuro é claro e tenho certeza de que, embora nunca abriremos mão do espetáculo dos leilões de alto nível realizados ao vivo para determinadas categorias ou vendas importantes, uma parte importante do nosso futuro está online. Simplesmente, o online democratiza o acesso 24 horas por dia, sete dias por semana — isso é verdade para todos os negócios, e para quase todo o varejo — e para as vendas de antiguidades não será diferente. Realmente, trata-se de se adaptar à tecnologia e ao comportamento do consumidor/colecionador. Mas para mim, pessoalmente, nada substituirá a emoção de descobrir um objeto emocionante em seu habitat natural.

Qual trabalho disponível na SP-Arte 365 você escolheria?

SA: Eu respeito muito o trabalho do Hugo França — o banco Marupa tem uma atemporalidade que é ao mesmo tempo antiga e moderna. Neste trabalho, é difícil saber onde começa a humanidade e onde termina a natureza, e isso, para mim, é uma das características essenciais e únicas do design brasileiro.


Sobre Simon Andrews

Como especialista sênior internacional da Christie’s, Simon Andrews colabora com os centros de venda do departamento internacional em Paris, Nova York e Londres, trabalhando com consignadores, colecionadores e curadores para aprimorar o mercado internacional de design. Com experiência anterior nos EUA como revendedor de design moderno e restaurador de móveis antigos, Simon ingressou na Christie’s Londres em 1994 e em 1996 iniciou a série de vendas de Design que serviram de base para as tendências atuais do mercado. Como especialista reconhecido internacionalmente em seu campo, Simon atuou nos comitês de autenticação das principais feiras de arte e design, além de ministrar palestras e publicar ensaios sobre design modernista e de meados do século.


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Marina Dias Teixeira é formada em Estudos de Mídia e Cultura pela Universidade de Arte de Londres (UAL). Já integrou as equipes da Fundação Bienal de São Paulo, Sotheby’s Brasil e SP–Arte. Hoje é responsável pela coordenação de projetos da Act, consultoria de arte. Em paralelo, pesquisa teorias decoloniais e a produção de artistas afro-diaspóricos no circuito de arte contemporânea, com foco em mulheres negras. Desde 2020, colabora para a Casa Vogue Brasil, trazendo um olhar atento a artistas negres e sua produção.

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