A circulação e recepção de imagens na mídia social, por Tobi Maier

7 jun 2016, 16h48

A disseminação e produção artística foi impactada de maneira decisiva pela internet e, mais especificamente, pelas redes sociais. A partir de publicações online e blogs de arte contemporânea, passando pelas atividades sociais de artistas, curadores e público, são incontáveis as ressignificações nos processos de recepção de imagens nos dias de hoje.

Neste texto, publicado originalmente no catálogo da SP-Arte/2016 (confira a publicação na íntegra aqui), o crítico e curador Tobi Maier reflete sobre o impacto da rede na produção e circulação da arte no Brasil e no mundo. Boa leitura!

 

Documentação digital: a circulação de imagens na mídia social e sua recepção

(por Tobi Maier)

Nos últimos anos, o universo de blogs de arte contemporânea multiplicou-se de forma exponencial. Há não só páginas eletrônicas das revistas tradicionais – como ArtforumFriezeTexte zur Kunst e Spike, que ampliaram seu conteúdo online e nele se concentraram –, mas também outras como Contemporary Art Daily, Artnet e Terremoto, que apresentam colunas e críticas periódicas discutindo o trabalho individual de artistas e também exposições inteiras. No Brasil, onde é relativamente difícil obter versões impressas dessas publicações internacionais, os estudantes, artistas e outros profissionais do mundo das artes dependem muito do acesso a informações na forma de texto e de imagens por meio da web.

Com frequência julgamos trabalhos vendo-os online, e muitos dos produzidos atualmente circulam mais em plataformas eletrônicas do que fisicamente. São produzidos e consumidos imediatamente, desaparecendo em uma coleção privada ou nos depósitos das galerias após serem exibidos em exposições ou feiras de arte. Assim, a visualização das exposições e a documentação de determinadas obras são altamente estruturadas e orquestradas. O que olhamos na tela pode não corresponder à experiência que teríamos se estivéssemos de fato visitando a exposição. É provável que a imagem que vemos foi retrabalhada com Photoshop para fazer com que as obras e a maneira de mostrá-las se tornassem mais atraentes. No entanto, por mais sedutoras que possam parecer à primeira vista e em alta definição, elas são também enganadoramente monótonas.

Uma nova geração de artistas que cresceu no século XXI – os millennials, termo inventado por Douglas Coupland – tornou-se colecionadora de assinaturas. Seguindo blogs e páginas de galerias, eles podem estar em um canto do mundo e criar obras que são misturas de dois outros artistas acompanhados de longe. É possível argumentar que alguns curadores trabalham da mesma forma, montando exposições com obras selecionadas exatamente das mesmas fontes e portfólios de pdf, sem o esforço de entabular um diálogo com o artista ou visitá-lo no ateliê.

Junto à proliferação dos blogs, as mídias sociais desempenharam um papel importante na disseminação e na promoção da produção artística, bem como na visualização das exposições. Não me refiro à abundância de selfies tirados pelos visitantes para tornar as exposições um sucesso, embora esteja ciente de que as instituições medem a quantidade dessas fotos para avaliar a experiência dos visitantes. Tampouco discuto o recente empreendimento de Richard Prince, apropriando-se das postagens de outras pessoas no Instagram sem aviso prévio, imprimindo-as em telas e colocando-as à venda. O que estou pondo em evidência são os artistas que postam imagens periodicamente sobre sua vida e sua obra. No mundo globalizado em que vivemos, isso propicia acesso instantâneo à atividade (social) e à produção artística de alguém que está próximo ou muito longe. Parte-se do desejo subjacente de que a atenção gerada possa resultar em participação na exibição ou na crítica de um evento já em curso. Embora as revistas ainda encomendem textos que apoiam e examinam a obra do artista de maneira crítica, as imagens individuais postadas no Instagram e no Facebook permanecem como gestos solitários que, na maior parte do tempo, têm uma vida muito curta.

No entanto, como argumenta a crítica Claire Bishop, não é sempre que essas vozes criam agência real, porque, “em um mundo onde todos podem expor seus pontos de vista para todos, não estamos diante de um empoderamento de massa, mas sim de uma corrente interminável de egos banais. Longe de opor-se ao espetáculo, a participação atual se fundiu completamente a ele”.1 Mesmo assim, algumas figuras se destacam, conforme seu repertório de imagens transcende o discurso crítico: duas artistas que acompanho são @ex_miss_febem (Aleta Valente, do Rio de Janeiro) e @cibellecibelle (Cibelle Cavalli Bastos, que divide seu tempo entre Londres e São Paulo). Suas obras fotográficas têm incitado debates sobre os pelos do corpo feminino, o aborto, a menstruação, o discurso pós-gênero, o papel da mãe solteira e os estilos precários de vida na periferia. Se o número de apreciadores aumenta (alguns até começaram a contatar as artistas em busca de conselhos sobre problemas da vida real), também cresce o número daqueles que as odeiam, bem como as ocorrências em que os provedores censuram suas postagens.

Enquanto as obras dessas e de outros artistas (como K8 Hardy e Amalia Ulman) evoluem ao redor da tecnologia, do poder e da experiência, o fluxo de imagens que produzem pode ser considerado um corpo único de obras. Por isso, a estrutura do Instagram é empregada para gerar uma narrativa, uma linha do tempo que reflete e documenta um movimento de ação específico que pode gerar agência além do mero ato de assistir.

De que modo isso impacta a maneira como expomos ou colecionamos? Se as obras tornam-se domínio público (considere os filmes de Francis Alÿs, que estão disponíveis em sua página na Internet), elas perdem a exclusividade e criam desafios para os colecionadores e museus. Talvez uma forma de abordar a questão seja pelo fato de que a criação de valor está intrinsecamente ligada à vida e à biopolítica. Ao decidir adquirir uma obra de determinado artista em vez de outro, a instituição ou o colecionador também apoiam a produção que está disponível a todos, produção esta que é colaborativa e performativa e que se origina da vida de uma forma que não é diferente da de um objeto que muda de mão – do ateliê para a galeria, da galeria para o colecionador. Nesse sentido, colecionar é também uma atividade ideológica cujos efeitos na produção do discurso e do significado numa comunidade mais ampla não podem ser desconsiderados.

 


Tobi Maier vive em São Paulo, é crítico de arte e curador. Atuou como curador no Frankfurter Kunstverein, em Frankfurt (2006-2008), no MINI/Goethe-Institut Curatorial Residencies Ludlow 38, em Nova York (2008-2011), e na 30ª Bienal de São Paulo (2012). É mestre em Estudos Curatoriais pelo Royal College of Art (Londres) e doutorando em Poéticas Visuais na Universidade de São Paulo (USP). É colaborador de várias revistas de arte contemporânea e cofundador do espaço expositivo SOLO SHOWS, em São Paulo.

 


Nota: (1) BISHOP, Claire. Participation and Spectacle: where are we now? In: THOMPSON, Nato (Ed.). Living as Form, Participation and Spectacle: Where are we now?. New York: Creative Time; Cambridge, Mass.; London: MIT Press, 2012, p. 40.

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