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Letícia Lopes: Overnight Operations

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Temos o prazer de apresentar “Overnight Operations”, de Letícia Lopes – uma exposição realizada pela VERVE inteiramente na SP–Arte 365! A mostra online reúne a produção mais recente da artista, atravessada pelo contexto turbulento do ano pandêmico, junto a um texto crítico assinado por Leandro Muniz.

Através da pintura e do desenho, Lopes busca possibilidades de concretização de regiões obscuras da decodificação e elaboração de linguagem simbólica, bem como a ampliação de sistemas moderados pela pré-linguagem – uma ativação sensível provocada pelo estranhamento com o confronto da imagem feita à mão. Valendo-se de uma extensa coleção de imagens provindas das mais variadas fontes, como enciclopédias, fotografias (suas e de estranhos), gravuras, postais e imagens retiradas da internet, pretende expandir significados e re-significar imagens através da tradução pictórica desses “mistérios propostos”.

Confira abaixo uma seleção de trabalhos e colecione por aqui! A mostra segue no Perfil da VERVE até o dia 15 de outubro.

 

Acima: Letícia Lopes, “Segredo” (2021). Pintura, 80 x 100 cm. Cortesia VERVE.

CARTA AOS ESPECTROS
Por Leandro Muniz

Há algum tempo acompanho com interesse a descrição das luzes artificiais na pintura de Letícia Lopes. Em cenas predominantemente noturnas, esses trabalhos são construídos primeiro pelas camadas de cores claras — uma paleta em que o cruzamento de tons ácidos e outros pastéis gera uma vibração similar a de lâmpadas fluorescentes —, para depois serem recobertos pelos azuis ou verdes profundos, mas especialmente pelo preto. Os trabalhos são baseados em fotografias e a imagem espectral decorrente deste procedimento pictórico sugere um mundo de fantasmagorias que se multiplicam e são transferidas de uma materialidade a outra.


Além da reflexão sobre a própria imagem enquanto fantasma, com suas dinâmicas de presença, ausência e retorno, esses trabalhos inspiram pensar sobre aquilo que acontece no escuro e cujos efeitos são percebidos indiretamente. Há algo de terror e a criação de uma atmosfera psíquica atormentada parece ter sido a saída encontrada pela artista para comentar sobre o horror social generalizado.

Em diversos trabalhos, Lopes representa lustres, paisagens com poucos acontecimentos e figuras humanas que não sabemos se estão mortas ou se são esculturas. Em outros, peles de animais ou cenas de caça são construídas de modo que presa e predador se fundem em uma única forma. São temas que parecem pertencer a outro tempo — suspenso, imaginário— e o mistério dessas pinturas é claramente mediado pelos códigos do cinema, seus enquadramentos, texturas e títulos. As figuras “sangram” o quadro, a pintura reproduz a luz do flash e o contra-plongée reitera a tensão entre assombração e vigilância.

Da biografia da artista vale destacar que nasceu no interior do Rio Grande do Sul em 1988 e que acompanhou a cena underground de Porto Alegre no fim dos anos 2000. A variação entre contrastes dissonantes e passagens tonais, letras melancólicas e lisérgicas da música de um Júpiter Maçã, por exemplo, encontram seus respectivos correspondentes no trabalho de Lopes, gerando uma interlocução virtual entre essas produções.


Em outras obras, a artista modifica fotografias digitais de modo a reproduzir as mesmas características de sua pintura, como a luz dura e a sensação de vibração. De sua produção inicial com colagem permanece o recorte abrupto entre áreas luminosas e escuras ou o uso de imagens de alta circulação.

A transposição para a pintura, além de uma diferença temporal entre o instantâneo e o manual, implica reflexão crítica sobre essas materialidades e linguagens: a elasticidade da tinta a óleo, suas possibilidades de dissolução, transparência e opacidade, permite descrever superfícies tão diversas como as pelagens e o vidro e, ao vivo, as pinturas de Lopes operam por sofisticadas inversões entre áreas com muito material e coberturas ralas que nem sempre correspondem à sensação de distância e proximidade.


A lida com a pintura também está atrelada à singularização da imagem. A escala desses trabalhos e a variação entre pinceladas analíticas e arbitrárias evocam o desejo pelas especificidades dessa linguagem e o imaginário mal-assombrado, marcado pela presença de espectros e figuras morto-vivas que indicam uma dose de ironia, contrastam com o índice de vitalidade do gesto pictórico. Se as pinturas de Letícia Lopes constatam uma melancolia generalizada, também nos colocam em estado de alerta.


Letícia Lopes nasceu em Campo Bom/RS em 1988, hoje vive e trabalha em Porto Alegre. É Bacharel em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UFRGS (2015). Realizou inúmeras exposições individuais e coletivas, entre elas “Caixa preta” (Fundação Iberê Camargo, 2018/RS) e “Arte contemporânea do Rio Grande do Sul” — 2017/Czech Centre — em Praga, na República Tcheca. Em 2021, foi indicada pela segunda vez ao Prêmio Pipa, e em 2019 foi vencedora do 3º Prêmio de Arte Contemporânea da Aliança Francesa, e realizou na França sua primeira individual fora do país, “I wanna be adored”, no Centre Intermondes, em La Rochelle. Também em 2019 recebeu sua primeira indicação ao Prêmio PIPA, e em 2016 foi selecionada pelo Programa RS Contemporâneo, realizando a individual “Presença Sinistra” (curadoria de Marcelo Campos, Santander Cultural/RS) e indicada para a X Edição do Prêmio Açorianos de Artes Visuais, nas categorias “Destaque em Pintura” e “Artista Revelação”. Seu trabalho integra o acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC–RS).