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Sobre o caminhar na terra

Paula Nunes / SP–Arte
11 Nov 2021, 3:31 pm

Foi durante a Segunda Marcha de Mulheres Indígenas e a ocupação de Brasília por povos indígenas, ambos em 2021, que as curadoras Mirtes Marins e Lisette Lagnado buscaram discutir a caminhada – espiritual e física – de povos indígenas. Esse foi o tema escolhido para o Cápsula 4, edição mais recente do programa da Galeria Jaqueline Martins, desta vez realizado em parceria com a SP–Arte. As Cápsulas foram pensadas para reaproximar pessoas, recuperando um sentimento de comunidade em tempos de distanciamento físico e de distopia política. Por ocasião da 17ª SP–Arte, a Cápsula 4 ocorreu nos dias 16 e 23 de outubro e contou com as falas de Sandra Benites, Anita Ekman e Edgar Calel, que apresentaram e debateram conceitos importantes à história e à existência de povos indígenas no mundo contemporâneo.

A Segunda Marcha de Mulheres Indígenas contou com a presença de mais de 4 mil líderes de 150 etnias indígenas do Brasil. Com o tema “Mulheres originárias: Reflorestando mentes para curar a Terra”, a marcha protestou o Marco Temporal (ação do STF que defendia que povos indígenas só poderiam reivindicar terras já ocupadas no dia em que foi promulgada a Constituição de 1988) defendendo a preservação da vida e do território histórico indígena.

16.10.2021

Encontro I - Cápsula #4, com Sandra Benites e Anita Ekman

Sandra Benites, professora, pesquisadora e curadora adjunta do MASP, indígena da etnia Guarani Nhandeva original do Mato Grosso do Sul, abriu a mesa enfatizando a diferença entre as formas de existir guarani e a não-indígena. O modo de existir coletivo Guarani, segundo a curadora, pressupõe a recepção do outro: “se preparando para receber mesmo aquilo que a gente não conhece, é que a gente se prepara para lidar com o outro”. Essa forma dos povos Guarani de se relacionarem com o próximo passa intrinsecamente pelo respeito pela Terra e que, como Anita Ekman diz, é como um “corpo vivo, esse corpo generoso da mulher”.

O caminhar na terra, tema central do encontro, de acordo com Benites, “tem a ver com o futuro”: a existência Guarani – e de modo mais amplo, de todos os indígenas –- concebe o tempo em duas instâncias, “o tempo antigo” e o “tempo novo”. O tempo antigo, Benites compartilha, é um ponto chave na oposição com o modo de viver branco: a forma de memória ancestral tem a ver com o caminhar e a maneira de lidar com o mundo e com a terra. Em relação com o futuro, essa memória é íntima ao respeito, à preservação de recursos naturais e do território cultural – tópicos que parecem distantes das políticas nacionais atuais.

Anita Ekman, artista visual e de performance, ilustradora e pesquisadora de artes indígenas e afro-brasileiras, deu continuidade às falas de Sandra Benites. Ekman trabalha a importância do equilíbrio e da não-concentração de poderes na organização coletiva de povos indígenas Guarani, ressaltando assim a força e os imensos movimentos organizados por eles – no caso, as Marchas das Mulheres Indígenas e a ocupação de Brasília.

Anita Ekman ainda partilhou com o público um apanhado histórico da expansão e deslocamentos de etnias indígenas no território nacional, assim como as violências contra a população indígena no país, especialmente a destruição da Mata Atlântica, que hoje conta com menos de 20% de sua extensão nativa. “Ou a gente aprende com os guaranis e com povos indígenas de forma geral, a repensar toda essa ancestralidade humana neste território, pensando em como a gente pode proteger a diversidade da vida, ou não vamos ter nem tempo de adiar o fim”, garante Ekman.

23.10.2021

Encontro II - Cápsula #4, com Edgar Calel

Encontro II – Edgar Calel
23.10.2021

No segundo encontro, Edgar Calel, artista visual originário do povo Maia Kaqchikel, de San Juan Comalapa, Guatemala, articulou questões de presença e caminhada indígena – tanto no campo da arte quanto no da vida. O artista e poeta, que trabalha com pintura, desenho, performance e instalação, explora o campo da memória e da cultura à luz do legado Maia. O deslocamento, físico ou não, protagoniza a obra de Calel juntamente a uma concepção de coexistência e sincronia entre conhecimentos do mundo.

Calel refletiu sobre espaços que permitem a entrada do corpo indígena e humano em geral, mas que não foram desenhados para que essa entrada se dê acompanhada de cargas subjetivas e históricas, sejam individuais ou coletivas. Sempre relembrando a discussão presente na fala de Benites sobre as conexões entre dimensões atuais, passadas e futuras, Calel destaca a indissociabilidade de todos os tempos. Assim, propõe uma concepção de existência contínua, em que corpo e pensamento humanos vivam acompanhados de suas extensões (cabelos longos como extensão de pensamento, cheiros como a extensão do ser, etc). 

A concepção da ligação entre instâncias de vivência se estende para a concepção de arte de Edgar Calel, que diz “El arte es la vida misma. Y es interesante cómo se encuentra en la cotidianidad la creación y como vamos dejando una marca de nuestra existencia sobre distintas superfícies” [A arte é a própria vida. E é interessante como se encontra a criação no cotidiano e como vamos deixando uma marca da nossa existência sobre distintas superfícies]. Edgar Calel e as conversas dos outros encontros nos convidam a pensar nas marcas que deixamos no mundo para que as gerações futuras nos encontrem em nossas extensões, tanto na arte quanto na vida.

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