Editorial
SP–Arte
Audioguia 2021: O corpo como suporte e reflexão sobre o mundo
Camila Bechelany
9 Dec 2021, 6:24 pm
Este texto foi escrito por ocasião da SP–Arte 2021 e compõe um dos audioguias produzidos exclusivamente para a Feira. Você pode ouvi-lo aqui:
Neste roteiro vamos falar sobre artistas de diferentes gerações que utilizam o corpo como meio ou suporte para construir uma reflexão sobre o mundo. Neide Sá (1940) artista do Rio de Janeiro (Galeria Superfície) que foi participante do movimento Poema processo, realizou em 1968, o livro-objeto “Ciclo infinito vida-morte”. Nele uma caixa de acrílico abriga uma fita de Moebius, símbolo do infinito, e em um áudio ouve-se uma gravação com os batimentos do coração da artista. O trabalho materializa ao mesmo tempo a fragilidade da vida, que pode se interromper a qualquer instante e sua sacralidade, sendo parte de um processo mais amplo e infinito de vida e morte. Outras duas artistas da mesma geração, Vera Chaves Barcellos (Galeria Superfície) (1938, Porto Alegre) e Sonia Andrade (1935, Rio de Janeiro), se destacam por obras experimentais em fotografia e vídeo que utilizam a imagem do próprio corpo para expressar situações de opressão e alienação vividas no Brasil dos 70 e que de modo algum perderam sua atualidade hoje.
Para uma geração atuante a partir dos anos 1980, a identidade visual do artista continua sendo um recurso importante mas agora para expressar a liberdade. Nos álbuns, colagens e trabalhos fotográficos de Hudinilson Jr. (1957 – 2013, São Paulo), galeria Jaqueline Martins, estão expressos desejos e fantasias sexuais. A série Exercício de me ver de 1980-84, um de seus trabalhos mais conhecidos, é resultado de investigações de possibilidades visuais em reproduções xerográficas em que o artista utiliza o próprio corpo nu como matriz e tem aspiração erótica e pornográfica e sempre à revelia do conservadorismo e do preconceito.
Em outro registro, a artista Lenora de Barros (São Paulo, 1953) galeria Bergamin & Gomide, também faz frequentemente uso auto-representação por meio da foto-performance mas para retratar e problematizar a figura do artista universal e não em relação a sua narrativa pessoal. São de destaque as obras Homenagem a George Segal (1975) ou Procuro-me (2002). Lenora desenvolve uma obra consistente assentada na comunhão entre a palavra (falada ou escrita), o corpo e o espaço.
Interessada especificamente na relação do corpo com o espaço, a artista Ana Mazzei (1979, São Paulo), Gal. Jaqueline Martins, vem criando há alguns anos objetos instalativos, que são por vezes participativos como Garabandal (2015) e por vezes performáticos como no projeto Vesuvius de 2020. Nestas obras, a artista provoca deslocamentos de pontos de vista a partir dos deslocamentos que o corpo ou olhar do espectador fazem. Uma mudança de posição que provoca a mudança de perspectiva e de referência consequentemente.
A artista Tadáskía (1993, Rio de Janeiro), Galeria Sé, também provoca em sua produção, deslocamento de pontos de vista convencionais, recorrendo principalmente ao desenho e à fotografia. Ela desenvolve trabalhos que lidam com questões sociais em que sua imagem queer fotografada aparece como um dado poético ou ainda como referência para as formas orgânicas de suas esculturas e desenhos. As foto-performances Língua preta, aparição e a série Are you a bicho a bicha? ambas de 2019 são exemplos de trabalhos em que a imagem da artista é a chave que conecta espaços de fala e de pertencimento.
Outras duas artistas que utilizam a própria imagem num sentido abertamente político, atualmente, são Aleta Valente (1986, Rio de Janeiro) galeria Gentil Carioca e Elle de Bernardini (1991, Itaqui) Galeria Karla Osorio. Ambas mulheres com produções fortemente orientadas por suas biografias, produzem obras que abordam a desigualdade entre gêneros, a sexualidade, a identidade e a interseccionalidade. Nestes trabalhos o corpo transgride os limites impostos, resiste às violências, aos sexismos, aos binarismos, ao racismo e à invisibilização.
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