Arte política nos tempos de agora

26 Oct 2018, 1:08 pm

Com as eleições para presidente do Brasil se aproximando, o mundo artístico volta seus olhares às praticas que colocam política em seu centro. Nos últimos anos tem sido possível ver a curadoria de exposições no Brasil e na cidade de São Paulo abrir espaço para mostras que analisam e recuperam arte de resistência política, seja em dimensão internacional ou durante o período ditatorial brasileiro. Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964 (IMS); Levantes (SESC Pinheiros); Entre construção e apropriação: Antonio Dias, Geraldo de Barros e Rubens Gerchman nos anos 60 (SESC Pinheiros); Todo poder ao povo! Emory Douglas e os Panteras Negras (SESC Pinheiros); OSSO – Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga (Tomie Ohtake); Estado(s) de Emergência (Paço das Artes); AI 5 50 Anos – Ainda não terminou de acabar (Tomie Ohtake) são apenas alguns dos nomes de exposições recentes que trataram do tema em diferentes esferas, ou documental, ou pelo viés da arte, do design e da fotografia.

O clima das exposições é refletido nas práticas artísticas contemporâneas, que desenrolam sua resistência por meio da inserção em locais públicos e eventos de visibilidade artística. O tom já foi dado na abertura da 32ª Bienal de São Paulo – Incerteza Viva (2016), curada por Jochen Volz –, quando o coletivo de artistas Aparelhamento organizou um grande “Fora Temer”, com artistas como Bárbara Wagner, Jonathas de Andrade e outros vestindo camisetas com os dizeres “Temer Fora”, “Diretas Já” e “Quero votar para presidente”, engajando o público em palavras de ordem contra o presidente Michel Temer. Conheça a seguir alguns dos artistas que usaram seus trabalhos para fomentar a discussão política nos últimos anos.


Entre os artistas que protestaram na abertura da 32ª Bienal de São Paulo estava Lourival Cuquinha, artista recifense cuja prática permeia os espaços urbanos e trava contato direto com o público. Em uma de suas ações mais conhecidas, “Untitled” (2016), o artista, equipado de um letreiro eletrônico fixado às suas costas, projeta mensagens políticas enquanto circula por aberturas de exposições e eventos culturais. As frases luminosas fazem as vezes de legenda em uma cena regida pelas conversas amenas dos encontros sociais, permeando a camada da convivência com o apontar do momento político que se desenrola do lado de fora das portas das instituições.


Para ajudar na circulação de conhecimento, o artista Daniel Lima criou a “Cartografia do Golpe Branco” (2016). Lima, nascido em Natal, dedica sua criação artística a contemplar temas como a educação e o racismo. Fundou a Invisíveis Produções, plataforma que atua como “centro de criação, ação e reflexão que trabalha na intersecção entre arte e política”, pela qual publicou a “Cartografia do Golpe Branco” e diversas outras cartilhas que contêm explicações detalhadas a respeito de polêmicas políticas em curso, como a atual situação venezuelana ou as eleições do Haiti. Lima atua em diversas mídias, entre elas a criação de vídeos dedicados ao debate político. Em “Confio: a democracia por um fio” (2016), um telefone de barbante é instalado na Parede da Vergonha – barreira criada na esplanada dos ministérios para separar manifestantes favoráveis e contra o impeachment de Dilma Rousseff durante sua votação –, com o objetivo de viabilizar o diálogo entre manifestantes de direita e de esquerda. A ação, feita em parceria com Élida Lima, mostra os participantes engajando em diálogo respeitoso e aberto, com desejos conciliatórios.


Enquanto Lima se usou de um aparelho artesanal para comentar a situação política de 2016, em 2017 Nuno Ramos usa a rede social Instagram para fomentar a conversa em torno do impeachment. Em “Lígia” (2017), o artista sampleou falas de William Bonner e Renata Vasconcellos das edições dos dias 16 de março e 31 de agosto de 2016 do Jornal Nacional, respectivamente, o dia no qual vazou o áudio entre Dilma Rousseff e Lula no qual discutiam a integração de Lula ao ministério, e o dia no qual o impeachment foi confirmado. No ritmo de Tom Jobim, Bonner e Vasconcellos cantam a música “Lígia”, suas vozes editadas reproduzindo o clássico da bossa nova. O trabalho foi transmitido pela plataforma aarea.co, que expõe pelo aplicativo obras inéditas pensadas especificamente para divulgação virtual.

A obra deu sequência à “A gente se vê por aqui”, performance concebida por Nuno Ramos na qual Danilo Grangheia e Luciana Paes recebem um feed ao vivo da programação da Rede Globo e reproduzem todas as falas das novelas, propagandas e edições de jornal. Em 2018, a pesquisa se desdobra no trabalho “Aos Vivos”, no qual performers reproduzem em tempo real os debates dos candidatos presidenciáveis, ao mesmo tempo que recebem sussurrado por atores textos das obras que inspiram cada edição. O trabalho conta com três edições, “Aos Vivos (Dervixe) – Debate n.1”, apresentado no dia 04/10 no Galpão Folias; “Aos Vivos (Antígonas) – Debate n.2”, que ocorreu dia 21/10 na Casa do Povo; e “Aos Vivos (Terra em Transe) – Debate n.3”, que será dia 26/10 no IMS Paulista. As performances serão transmitidas em live streaming aqui.


Os debates do dia vinte em diante correm o risco de se desenrolarem em silêncio, com um dos performers encarnando a ausência que atravanca o diálogo (lembramos novamente da tentativa franca de Daniel e Élida Lima). Dentro do silêncio e da divisória, da incomunicabilidade, uma mensagem é passada com visibilidade luminosa. Plantada no largo da Batata, área de circulação intensa na cidade de São Paulo, a paulistana Regina Parra lembra a todos os trabalhadores brasileiros que vem e vão do metrô: É preciso continuar. Não posso continuar. É preciso continuar. Vou continuar.

A obra, batizada de “Vou continuar” (2018) é baseada no romance “O Inominável” (1953) de Samuel Beckett, e integra a Mostra 3M. Parra é conhecida pelo caráter insurgente de sua arte. Ela se usa de vídeos, performances, instalações e pinturas para comentar a resistência frente à opressão, com trabalhos como as pinturas “Not waving, but drowning” (2017) e “Drowning” (2017), nas quais explora o corpo como ferramenta de resistência à opressão, se inspirando no caso de um refugiado que se afogou no canal de Veneza enquanto turistas filmavam.

As palavras de Parra, iluminando o largo da Batata durante o dia e durante a noite, vêm como um lembrete bem-vindo de força e esperança em tempos turbulentos.

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