A arte no campo ampliado (da internet)

29 Jan 2019, 4:17 pm

por Felipe Molitor

 

No fim dos anos 60 e início dos 70, uma diversidade de artistas virou sua atenção para o entorno da obra de arte: desde as condições em que o trabalho é realizado, até como e onde é mostrado. Assim, na expansão das fronteiras da escultura e da instalação, nasce a noção de site specific – gênero que se tornou bastante comum na arte contemporânea, em que o artista cria uma obra a partir das especificidades de um determinado local.

 

Criado em 2017, o projeto aarea amplia o conceito de site specific para o ambiente cibernético: as obras são construídas tendo a virtualidade e a temporalidade da internet como elementos-chave, além de tantos outros recursos possíveis. A plataforma reabre antigas discussões sob o prisma do mundo digital, problematizando concepções em torno da autoria, da ativação do espectador, da aura do objeto artístico, a datação e autonomia da obra de arte. Completamente reformulado a cada edição, o aarea realiza uma seleção plural e intergeracional de artistas para ocupar o site, considerando as fricções entre suas produções e o ambiente virtual. Já passaram pelo projeto nomes como Nuno Ramos, Cinthia Marcelle, Roberto Winter, Ana Prata, Sergio Pinzón e Flora Leite.

As fundadoras do aarea, Livia Benedetti e Marcela Vieira, falaram à SP-Arte sobre o projeto.

 

Como surgiu o aarea? Podem contar um pouco da história do projeto?

O aarea surgiu, em primeiro lugar, da vontade de criar um projeto colaborativo de arte que apresentasse trabalhos de arte, mas que não estivesse dentro do molde tradicional de exposição. Além de ver a internet como uma ferramenta acessível, logo nos deparamos com a questão: por que a arte ainda ocupa tão pouco esse meio? Muito rapidamente chegamos ao formato do aarea: um site com a finalidade de comissionar e exibir um trabalho de arte por edição, durante um determinado tempo. Passado o período da exposição, o trabalho “expira”, pois não disponibilizamos arquivo. Sendo assim, a cada edição o site se torna o trabalho e vice-versa. O próximo passo foi encontrar um bom programador que abraçasse a causa e tivesse interesse por arte, pois é ele quem traduz os planos do artista para a linguagem da programação. Encontramos o Adriano Ferrari no segundo ano do site, tanto na programação quanto na consultoria em tecnologia. Atualmente contamos também uma equipe fixa de designers (Caterina Bloise e Victor Kenji).

 

Quais são os critérios envolvidos na escolha de um artista para participar da plataforma?

Os artistas que convidamos tem produções bastante diversas entre si e a maior parte deles não costuma abordar a internet em suas práticas – em comum, prevemos que se apropriarão da mídia de maneira estimulante. Planejamos anualmente uma grade de artistas que faça sentido tanto no diálogo entre os trabalhos quanto em suas diferenças – é preponderante que o aarea se mantenha versátil e que ele siga problematizando o encontro entre arte e internet a cada edição.

 

Que tipo de desafios existem na feitura e manutenção de um trabalho de arte na internet?

No caso do aarea, o primeiro desafio é do artista: como deslocar sua produção para um contexto inédito em sua pesquisa? Isso sempre rende uma conversa instigante com a curadoria. Em uma segunda etapa da concepção do trabalho, o programador participa da conversa para definir o que é possível de ser realizado em termos técnicos – e muitas vezes ele encontra soluções inesperadas. Alguns trabalhos do aarea, como o de Cinthia Marcelle, parecem simples, mas exigiram meses de programação, entre idas e vindas, testes e modificações. O trabalho de Marcius Galan, por exemplo, exigiu a criação de um aplicativo de monitoramento de mobilidade. Contamos também com uma generosa rede de apoio de artistas, agentes culturais, curadores, consultores legais, financeiros, entre outros, que são nossos interlocutores no projeto.

Há também o desafio da documentação desses projetos virtuais, algo que nos faz refletir sobre a temporalidade dos trabalhos: uma vez que muitos deles acontecem “ao vivo”, ou dependem do visitante para seu funcionamento, não se deixam apreender ou ser arquivados. São questões que rondam a arte há muito tempo, mas que também são extremamente pertinentes na era digital em que vivemos. Como bem coloca Boris Groys, em seu livro In the flow, “The museum object always needed the interpretation that substituted for its lost aura. Digital metadata creates an aura without an object”. Outro desafio constante é encontrar parceiros que topem participar como colaboradores de um projeto experimental, ainda sem financiamento. Como sobreviver em um meio que se tornou sinônimo de mercado, centrado na produção e comercialização de objetos? Um de nossos desafios esse ano é justamente encontrar maneiras para viabilizar o site financeiramente.

 

Quais são as expectativas de vocês para os próximos trabalhos do aarea, algum recorte, interesse específico?

A cada edição exibida no aarea, a versatilidade dos projetos no ensina sobre as potências do próprio site. Gostaríamos de seguir experimentando nesse sentido, convidando artistas que explorem e tensionem a linguagem artística no campo virtual, da forma mais variada possível. Ainda há muito assunto, muitas facetas da internet a serem exploradas pelos artistas nas próximas edições – é sempre uma surpresa ouvir o que eles pensam. E, além dos novos trabalhos que preparamos para o aarea, faremos também algumas iniciativas fora do site em 2019, como este projeto com a SP-Arte, expandindo um trabalho de arte na internet, revista e mídias sociais. Para fevereiro, concebemos e organizamos um ciclo de seminários no Sesc, trazendo para São Paulo o artista e teórico Kenneth Goldsmith, autor da 11a edição do aarea. E, no fim do ano, faremos a curadoria da seção digital do 45o Salón Nacional de Artistas da Colômbia, junto com a artista e curadora Ana María Montenegro.

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