A trajetória da fotografia brasileira no MoMA, por Sarah Meister

6 jun 2016, 10h29

Durante a última década, o compromisso do MoMA – Museum of Modern Art de Nova York com a fotografia latino-americana – particularmente a brasileira – se desenvolveu de forma marcante, expandindo a história contada por meio de seu acervo.

O Departamento de Fotografia é uma das seis seções de curadoria do Museu e está sob comando de Sarah Meister, convidada especial da SP-Arte/Foto em 2015. Essa visita a nosso país ainda rende frutos: na última semana, foram confirmadas aquisições de 28 obras de fotógrafos modernos brasileiros para o acervo do MoMA.

Neste texto, publicado originalmente no catálogo da SP-Arte/Foto/2015, Meister revê a trajetória brasileira na instituição e comenta aspectos importantes de seu trabalho. Confira!

 

(Quase) rumo ao Norte: fotografia brasileira no MoMA

(por Sarah Hermanson Meister)

Fundado em 1929, o Museu de Arte Moderna, Nova York (MoMA), estabeleceu seu compromisso com a arte produzida fora dos Estados Unidos a partir do dia em que abriu as portas, com a exposição Cézanne, Gauguin, Seurat, Van Gogh. Desde o seu início, o Museu também estabeleceu um compromisso com a expressão artística para além dos meios tradicionais da pintura e da escultura: as primeiras fotografias entraram para sua coleção em 1930. O MoMA era uma das pouquíssimas instituições a incluir a fotografia em seu acervo quando, em 1942, adquiriu nove fotografias de Manuel Alvarez Bravo, às quais se juntaram logo depois quatro obras de seu colega e fotógrafo mexicano Antonio Reynoso.1 Em 1946, o Museu apresentou Reynoso e o historiador/fotógrafo venezuelano Alfredo Boulton na exposição New Photographers, e em 1949 aceitou sete trabalhos de Thomaz Farkas (embora tenha levado muitos anos até que os trabalhos de Boulton e Farkas fossem formalmente aprovados). Foi apenas em 1959 que uma das obras de Thomaz Farkas citadas acima se tornou a primeira fotografia brasileira na Coleção do Museu, seguida por aquisições esporádicas e limitadas (Claudia Andujar, em 1962 e 1966; Nair Benedicto, em 1980; Sebastião Salgado, em 1990; Valdir Cruz, em 1994; e Mario Cravo Neto, em 1996, com um ou dois trabalhos cada). A situação começou a melhorar em 1997, mesmo ano em que Vik Muniz figurou no MoMA na exposição New Photography 13, em que o Museu adquiriu oito trabalhos seus. Desde então a representação de Muniz na coleção cresceu e passou a incluir 27 fotografias, gravuras e múltiplos.

Na última década, o compromisso do Museu com a fotografia latino-americana floresceu, expandindo de forma impressionante a história da fotografia contada por meio de seu acervo. Em 2014, fui co-curadora de uma exposição em conjunto com a Paris Photo, intitulada American Photography: Recent Acquisitions from The Museum of Modern Art, New York. Os visitantes da exposição no Grand Palais devem ter ficado surpresos ao tomarem conhecimento de que a palavra American abrangia grandes aquisições de fotografias da América do Norte e do Sul. Para citar alguns exemplos: em uma galeria que destacava aquisições especialmente profundas, o trabalho de Geraldo de Barros (brasileiro, 1923-1998) foi instalado próximo ao de Susan Meiselas (americana, nascida em 1948) e de Richard Misrach (americano, nascido em 1949); as práticas conceitualmente infundidas de Liliana Porter (argentina, nascida em 1941) e Regina Silveira (brasileira, nascida em 1939) estavam penduradas em uma sala ao lado dos trabalhos de Marcia Resnick (americana, nascida em 1950) e Sarah Charlesworth (americana, 1947-2013); e em uma galeria de artistas que exploram questões de identidade em seus respectivos trabalhos, Oscar Muñoz (colombiano, nascido em 1951) foi apresentado com Lyle Ashton Harris, Mark Morrisroe e Katy Grannan (todos americanos, 1965, 1959-1989 e 1969, respectivamente). O Museu busca aprofundar seu apreço pela manifestação das assim denominadas modernidades alternativas (essas práticas fora dos cânones históricos da arte americana e europeia ocidental) e – o que é igualmente importante – contextualizar tais modernidades dentro das tradições mais familiares para a maioria de seus públicos.

O Departamento de Fotografia está entre os seis departamentos de curadoria do Museu, cada um com poderes para colecionar, preservar e apresentar sua respectiva mídia. Os demais departamentos de curadoria são Pintura & Escultura, Desenhos & Gravuras, Arquitetura & Design, Filme e Mídia & Arte Performática. Talvez seja desnecessário dizer que os artistas frequentemente transgridem essas fronteiras, e meus colegas curadores e eu cooperamos com regularidade no que chamamos de aquisições interdepartamentais para assegurar que estamos atentos tanto aos artistas cujos trabalhos se encaixam concomitantemente nas categorias de fotografia e performance, quanto àqueles cujas práticas cabem nitidamente em uma categoria específica. Todos os departamentos de curadoria têm várias reuniões por ano sobre aquisições (o de Fotografia tem três), em que os curadores apresentam os trabalhos propostos (tanto compras quanto doações) aos seus comitês de aquisição, que abrangem os administradores e os benfeitores do Museu. O Comitê de Fotografia é responsável por aprovar cada trabalho que entra na Coleção do Museu, ao passo que a responsabilidade pelo que apresentar ao Comitê é do Curador Chefe. Em janeiro de 2013, Quentin Bajac assumiu esse cargo e, pouco tempo depois, levou a cabo uma análise estratégica das prioridades de coleção (como seu antecessor, Peter Galassi, havia feito o mesmo várias vezes durante sua gestão). Tive o privilégio de trabalhar com Bajac e Galassi nessas análises, cujos resultados orientam nossas prioridades de aquisição para os próximos anos (embora tanto Bajac quanto Galassi tenham frisado a importância de manter flexibilidade a fim de buscar aquisições além daquelas declaradas como prioridade, caso surgissem oportunidades inesperadas).

As recentes aquisições de obras de artistas da Argentina, do Brasil, da Colômbia, do Peru e da Venezuela que estiveram expostas em Paris no último mês de novembro representam não só prioridades estratégicas do Departamento de Fotografia, mas também um compromisso institucional mais amplo de engajamento com práticas artísticas internacionais a fim de, sempre que possível, trazê-las para a Coleção do Museu. Esses esforços são apoiados por duas iniciativas complementares: a plataforma de pesquisa interdepartamental Perspectivas da Arte Moderna e Contemporânea (C-MAP) e o Fundo Latino-Americano e Caribenho (LACF). Graças à C-MAP, os curadores podem trazer tanto professores quanto artistas locais e internacionais ao Museu, a fim de examinar criticamente nosso entendimento das práticas artísticas nessas regiões, desenvolvendo tais relacionamentos e ideias por meio de viagens. A C-MAP atualmente tem seu foco de atuação em três regiões: América Latina, Ásia e Europa Central/Oriental. Como membros do grupo C-MAP América Latina, meus colegas e eu viajamos duas vezes ao Brasil e também à Argentina e ao México, além de planejarmos ir ao Chile em setembro deste ano. Através dessas viagens, de seminários e de reuniões em Nova York, tivemos o privilégio de conhecer artistas, curadores, escritores, músicos, poetas, historiadores e colecionadores, e não é exagero dizer que, como resultado, temos um entendimento enriquecido da arte moderna e contemporânea. O site a esse respeito compartilha as descobertas de muitas dessas viagens.

Desde 2005, o LACF tem desempenhado um papel fundamental de apoio à aquisição de trabalhos de artistas latino-americanos e caribenhos para o acervo do Museu. Devido ao LACF, muitas das oportunidades identificadas em pesquisas da C-MAP resultaram em aquisições que expandiram de maneira crucial a forma como podemos apresentar a história da arte moderna para os públicos do Museu.

Considere, por exemplo, as seguintes aquisições recentes de trabalhos de fotógrafos brasileiros. Em novembro de 2012, um grupo do MoMA viajou para o Brasil, visitando São Paulo, Inhotim e Rio de Janeiro. Tivemos a oportunidade de ir ao estúdio de Regina Silveira, onde pude perguntar a ela sobre seu engajamento inicial com a fotografia e fiquei sabendo que os quatro únicos fotogramas que formam sua série Enigmas estão de fato numa galeria em Nova York. Esses trabalhos foram os primeiros de Silveira a entrarem para a coleção do Museu (com apoio do LACF). Desde então, eles apareceram em um artigo que escrevi para a revista Aperture, foram expostos em Paris (conforme mencionado), reproduzidos na capa de Zum e incluídos no próximo volume de fotografia contemporânea do MoMA (outono de 2015). Naquela primeira viagem da C-MAP ao Brasil, também pude mergulhar na obra de Alair Gomes na 30ª Bienal de São Paulo (organizada por meu colega Luis Pérez-Oramas), conferir as fotografias de Cao Guimarães na galeria Nara Roesler e me encontrar com Rosângela Rennó. Até 2014, obras de relevância de cada um desses expoentes foram acrescentadas ao acervo do Museu.

Não seria possível falar sobre fotografia no Brasil sem mencionar o Instituto Moreira Salles (IMS), e fiz questão de que nosso itinerário incluísse visitas a seus espaços em São Paulo e no Rio, além de um encontro com seus curadores Sergio Burgi e Thyago Nogueira. Essas primeiras reuniões foram a fundação de nossos vínculos profissionais em andamento, e desde então nos encontramos em São Paulo, em Paris e em Nova York. Inspirada por minha visita para ver a coleção incomparável do IMS, descobri que Thomaz Farkas havia doado sete gravuras para Edward Steichen (então diretor do Departamento de Fotografia do MoMA), embora, como mencionado anteriormente, somente uma tenha sido adquirida, em 1959. Com a generosa cooperação da família Farkas, agora todas as sete fazem formalmente parte da coleção do Museu, e uma delas será reproduzida no segundo volume da coleção de fotografias do MoMA (previsto para o outono de 2016). Confiantes em nossa adequada (se não extensa) representação da obra de Geraldo de Barros (dois trabalhos adquiridos em 2006 e outros três em 2013), voltei minha atenção para um terceiro membro do legendário Foto Cine Clube Bandeirante: Gaspar Gasparian. Graças a Eric Franck, pude encontrar Gaspar Gasparian Filho e, devido à generosidade deles (bem como ao apoio fundamental do LACF), o Museu adquiriu três fotografias de Gasparian em maio de 2015.

Essas aquisições são suficientes para representar a história da fotografia no Brasil? É claro que não. Porém, cada uma delas representa um passo importante na direção desse objetivo e uma nova oportunidade de expandir os cânones da fotografia moderna e contemporânea no MoMA. Estamos ansiosos para continuar esse diálogo e trazer mais fotografias (quase) rumo ao Norte.

(Todas as imagens que ilustram esta matéria são de obras que fazem parte da Coleção do MoMA.)

 


Sarah Hermanson Meister é curadora do Departamento de Fotografia do Museu de Arte Moderna, Nova York. Foi co-curadora de From Bauhaus to Buenos Aires: Grete Stern and Horacio Coppola, em exposição no MoMA até 4 de outubro de 2015. Exposições recentes, acompanhadas de publicações, incluem Nicholas Nixon: Forty Years of The Brown Sisters (2014), Walker Evans American Photographs: Seventy-Fifth Anniversary (2013) e Bill Brandt: Shadow and Light (2013).

 


Nota: (1) Embora este artigo se debruce exclusivamente sobre a presença da fotografia no MoMA, vale mencionar que, em 1940, Iris Barry adquiriu três filmes brasileiros para o Museu e que, nos anos 1940, o Museu expôs e comprou importantes pinturas, desenhos, gravuras e esculturas brasileiras de Candido Portinari, Maria Martins, José Pancetti e outros.

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