Arte negra em São Paulo, uma retrospectiva das exposições de 2018

20 Nov 2018, 5:23 pm

por Marina Dias teixeira

 

No ano marcado pelos 130 anos da abolição da escravidão no Brasil, assistimos a uma representatividade crescente de negros e negras nas artes visuais do país, não apenas como sujeitos retratados, mas como protagonistas donos da própria voz. Em São Paulo, a programação cultural que abordou a temática foi extensa, dando sinais de que a ocupação de espaços institucionais por esses agentes – fruto de uma luta contínua travada por movimentos artísticos negros – está se consolidando e expandindo.

Em celebração ao Mês da Consciência Negra, preparamos uma retrospectiva com algumas das principais exposições que aconteceram na capital ao longo de 2018, trazendo maior visibilidade para a temática negra nas artes. Que venha mais em 2019!


Com a exposição “Histórias afro-atlânticas”, realizada em conjunto com o Instituto Tomie Ohtake, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) estabeleceu um importante movimento: o deslocamento de uma perspectiva majoritariamente eurocêntrica da arte para uma visão afrocentrada. Organizada sob oito eixos temáticos, a mostra ofereceu um panorama das múltiplas narrativas acerca das trocas culturais, simbólicas e artísticas que se deram entre os continentes. Com curadoria do diretor do museu, Adriano Pedrosa, do artista Ayrson Heráclito, dos antropólogos Hélio Menezes e Lilia Schwarcz, e do curador Tomás Toledo, foram apresentadas 450 obras de 214 artistas, do século 16 ao 21, originárias da África, Europa, Américas e Caribe.

Em cartaz de junho a outubro, a exposição deu o tom da linha curatorial do Masp, que, ao longo do ano, vem expondo individuais de artistas negros, como Aleijadinho, Maria Auxiliadora da Silva, Emanoel Araújo, Melvin Edwards, Rubem Valentim e Sonia Gomes (ambas em cartaz até 10 de março de 2019), Lucia Laguna e Pedro Figari (com aberturas marcadas para dezembro).


De janeiro a abril, o Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo (CCBB) sediou a retrospectiva “Jean-Michel Basquiat – Obras da coleção Mugrabi”, que reuniu mais de oitenta peças do artista, entre quadros, desenhos, gravuras e pratos pintados, produzidos em diferentes momentos de sua trajetória. Artista negro de sucesso e exceção no universo predominantemente branco das artes visuais, Basquiat se coloca como corpo político consciente, cujo principal objetivo foi trazer à tona questões relacionadas à negritude nos Estados Unidos, assim como expor as vicissitudes e traumas experimentados por essa população no país. Na exposição, foi possível constatar na prática a afirmação do artista: “o negro é o protagonista da maioria das minhas pinturas”. Com curadoria do holandês radicado no Brasil Pieter Tjabbes, a mostra continua em cartaz no CCBB do Rio de Janeiro até 7 de janeiro de 2019.


“Ex Africa”, também apresentada pelo CCBB São Paulo, focou na produção da arte africana na contemporaneidade, trazendo à capital paulista nomes em destaque na cena atual do continente. Os trabalhos selecionados revelam uma história de séculos de tráfico negreiro e colonização, assim como um novo momento da região que agora passa a expandir suas cores e culturas para outras fronteiras. Vinte artistas assinam as mais de noventa obras que foram expostas de abril a julho, entre esculturas, fotografias, instalações, performances, pinturas e vídeos. Alguns dos destaques da exposição curada por Alfons Hug estão em cartaz na Zipper Galeria até 12 de janeiro.


Na sede do Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo, a representatividade negra ganhou forma por meio das fotografias do malinês Seydou Keïta, de abril a julho. Os 130 trabalhos em preto e branco revelam como esse precursor de retratos de estúdio na África estabelecia diálogos entre suas lentes, os modelos e as sutilezas estéticas dos detalhes retratados – tudo orquestrado por uma meticulosa direção de arte em busca do melhor ângulo. Essa postura de empatia representou uma ruptura com os fotógrafos vindos da Europa que, durante muito tempo, retrataram o continente apenas com o olhar externo e distante do colonizador. “Essa atitude dos fotógrafos africanos demonstra que havia um comprometimento pessoal com seus clientes. Eles se comportavam como verdadeiros cenógrafos de uma existência que eles partilham, como se soubessem inconscientemente que, por trás de suas imagens, estava a dignidade de um povo inteiro, de seu próprio povo, da qual eram emissários”, afirma o curador Jacques Leenhardt. É possível visitar a mostra no Rio de Janeiro até dia 27 de janeiro.


No Sesc 24 de maio, a música foi a protagonista da exposição “Jamaica, Jamaica!”, concebida pela Cité de la musique – Philharmonie de Paris. Através de fotografias, capas de álbuns, instrumentos musicais, folhetos, materiais gráficos de festas de rua, documentos, áudios e imagens de coleções particulares e instituições, a mostra traçou um panorama histórico dessa manifestação cultural jamaicana a partir de uma interpretação pós-colonial. Em oito núcleos, “Jamaica, Jamaica!” apresentou perspectivas políticas e sociais da música na ilha, que ao mesclar influências, ritos, danças e sons cristãos e africanos, desenvolveu-se como forma de resistência dos povos afrodescendentes. De março a agosto.

 

 


Destacando a importância histórica desta data, o Museu Afro Brasil inaugurou na véspera do aniversário da abolição, 12 de maio, “Isso é coisa de preto – 130 anos da abolição da escravidão”. A mostra, com curadoria de Emanoel Araújo, destacou a definitiva presença negra na arte, história e memória brasileiras. O jargão “isso é coisa de preto”, muito usado no Brasil para discriminar a condição do afro-brasileiro, foi ressignificado com o objetivo de ressaltar que “coisa de preto” é ter excelência nas artes, ciências, esportes, medicina e outros campos da sociedade. Por meio de pinturas, fotografias, litografias, esculturas e desenhos dos séculos 19 e 20, a mostra evidenciou a fundamental contribuição africana e afro-brasileira na construção do país. A exposição fica em cartaz até 31 de dezembro.


“Nós estamos aqui pela ferida original dessa terra e do seu povo. Estamos aqui pela ferida que carregamos ao vir para esta terra. Nós estamos aqui para um gesto de cura. E convidamos os corpos marcados pela violência da conquista colonial e da escravidão a sentar-se e permitir que nós lavemos seus pés como um gesto de cura.” Foi esse o convite que a artista sul-africana Lhola Amira fez em seu projeto “Aparições”, performance que aconteceu na 33ª Bienal de São Paulo em setembro e outubro. Na obra, a artista propôs uma representação simbólica da lavagem de pés do público negro e indígena.

Já o programa “Des/re/organizações afetivas”, organizado de setembro a novembro por Marília Loureiro, promoveu um diálogo entre a pedagoga Luciana Alves e a cofundadora do Instituto Ella Ana Helena Passos sobre “branquitude”, conceito que des /re/organiza a noção de raça inventada no século 19 pelos brancos. “Num planeta em que os brancos não somam nem 20% da população mundial, mas que se pensam como identidade universal, quais são os privilégios simbólicos e materiais que atravessam a história e seguem atravessando nossas relações nos dias de hoje?” foi uma das questões que ecoaram desse encontro. O programa “Des/re/organizações afetivas” vai até 6 de dezembro, enquanto a exposição segue aberta ao público até 9 de dezembro.


A SP-Arte também incluiu representantes do movimento artístico negro em sua edição de 2018. No setor Performance, destaque para o Brechó Replay, coletivo que transforma moda de reuso em arte engajada. Para o grupo, nascido há cerca de três anos como brechó online e encabeçado pelo cabeleireiro Eduardo Costa em parceria com o cozinheiro Gustavo Fogaroli, a moda é expressão da individualidade das pessoas e um indício das particularidades de um grupo. A plataforma criativa enaltece a força política dos corpos e seu resultado para o Festival foi uma performance de longa duração em que diversos artistas do coletivo se apresentaram com diferentes figurinos e cenários, sempre trazendo a moda como uma ferramenta da crítica social.

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