Por trás do clique: o contexto de algumas obras da 13ª SP-Foto

23 Aug 2019, 1:52 pm

Por Felipe Molitor

 

A relação do artista contemporâneo com a fotografia vai muito além do instante mágico do clique. Incontáveis maneiras de criar e manipular imagens através da linguagem fotográfica são imaginadas pelos artistas – e todas elas contém algo a dizer sobre o contexto histórico em que foram produzidas.

Na galeria abaixo, escolhemos algumas obras apresentadas na 13ª SP-Foto que exemplificam, de variadas formas, como as circunstâncias e as reflexões afetam os gestos artísticos.


Galeria Zielinsky

O artista espanhol Antoni Abad emprega diferentes abordagens ao lidar com grupos marginalizados e coletivos específicos da sociedade. Uma das intenções de seus trabalhos é provocar uma inversão de papéis entre o espectador e o grupo social ao qual o trabalho alude. A obra “La música”, de 2015, produzida durante uma residência na Itália, consiste em trinta imagens em que uma mulher se comunica com o observador através da língua italiana de sinais. A composição das fotografias pode assumir uma versão vertical, mas há uma sequência obrigatória para dar sentido a uma frase expressada pela protagonista. Abad busca situar o público em uma condição semelhante a que a população surda é submetida, sugerindo ao ouvinte que realize algum tipo de esforço para descobrir o que está sendo dito. O que a mulher diz é “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”, famosa frase atribuída ao filósofo alemão Friederich Nietzsche.


Mendes wood dm

“Brasil nativo, Brasil alienígena”, de Anna Bella Geiger, articula tanto as experimentações cênicas da artista consigo mesma quanto seus contundentes comentários sobre uma ideia totalizante de identidade brasileira. O trabalho faz parte de uma série iniciada em 1977, em que a artista recriou imagens de cartões-postais com indígenas em situações gravadas no imaginário do brasileiro branco. Seu local de fala é um dos elementos que constituem a obra, trazendo à tona questões sobre os perigos da etnografia na fotografia, da dificuldade de representar a si e ao outro, e sobre como pensar o pertencimento em nação dividida em nativos e alienígenas. 


Galeria da Gávea

A primeira vez que a Galeria da Gávea se debruçou sobre o legado fotográfico editorial de Antonio Guerreiro foi em 2014, quando as duas fotografias acima foram expostas pela primeira vez adquirindo tal formato de parede. Uma delas, com Claudia Raia, foi capa do filme “Matou a família e foi ao cinema”, em sua versão dos anos 1990 realizada por Neville d’Almeida, baseada no original de 1969 de Júlio Bressane. A outra, um nu com a modelo e atriz Sandra Bréa, foi capa da revista “Ele Ela” na década de 1980 e contém uma aura de clichê tropicalista ainda mais forte em sua ampliação. Ambas as imagens são representantes de determinada geração associada à boemia carioca nos anos 1970 e 1980, e também de como a fotografia era trabalhada em revistas de nicho nesta mesma época. Bréa casou-se com Guerreiro pouco tempo depois deste retrato. 


galeria marcelo guarnieri

As cenas que Yamamoto Masao constrói nos remetem a um tempo passado, enigmático e silencioso. Suas fotos em preto e branco por vezes ganham tons amarelados e pequenos rasgos, aparentando uma idade avançada. Assumindo, às vezes, pequenas dimensões, podem ser seguradas na palma da mão ou levadas no bolso da calça, como pequenos amuletos; podem ainda ser guardadas em caixas e formar coleções. Em algumas situações, Yamamoto escolhe dispô-las na parede em poemas visuais que exigem do observador um olhar mais cuidadoso e desacelerado. Produzidas entre os anos 1990 e 2000, as imagens movem-se na contramão da digitalização da fotografia. 


bolsa de arte de porto alegre

A artista gaúcha Vera Chaves Barcellos encontrou a fotografia em uma época em que este tipo de produção estava longe de circular nos espaços de arte. A obra cria uma sequência quase cinematográfica ao enquadrar manequins de vitrine em poses peculiares. A narrativa carrega algo da atmosfera política e artística durante os anos de Guerra Fria. Àquela altura, Chaves Barcellos já atuava junto ao grupo artístico Nervo Óptico, que experimentava com mídias menos tradicionais na arte, criando outro tipo de resistência durante a ditadura militar no Brasil.


instituto mario cravo neto

Da década de 1970 até os 2000, o fotógrafo Mario Cravo Neto produziu uma série colorida intitulada “Laroyè” – saudação iorubá ao orixá Exu. Nessas fotografias, o soteropolitano buscava capturar manifestações da religiosidade afro-brasileira em meio ao dia a dia de Salvador. Candomblecista, o fotógrafo encontrava nas cores da cidade a presença de Exu. Também são mostradas imagens inéditas das séries em preto e branco pelas quais Cravo Neto se consagrou. A seleção revela um lado intimista do artista, de fotografias produzidas em seu estúdio com o que lhe era familiar. A lona presente ao fundo de tantas imagens faz referência a um acidente sofrido com um caminhão. As fotografias da esposa grávida, do filho, de amigos, contam sua própria história e geram alegorias para outras subjetividades.


zipper galeria

O futuro do passado é o fio condutor da série “A última aventura”, iniciada em 2011, em que a artista voltou-se para diversos projetos da ditadura militar – vendidos como progresso para a população. Poctzaruk mostra como a falência desses projetos podem refletir em um resumo histórico do país. A fotografia acima registra um hotel abandonado à beira do início da rodovia transamazônica, em sua ponta paraense, construído apenas para receber o presidente Médici para inaugurar a estrada faraônica. A série completa foi exibida na 31ª Bienal de São Paulo. 


galeria lume

A obra “Devastação III” desdobra a pesquisa em torno das pedras que singulariza a produção de Denise Milan para o campo fotográfico. A artista busca recriar os princípios de ordem e caos que, segundo ela, são semelhantes entre nós e o reino mineral. Organizada em díptico, o caos é representado pela composição de fotografias de homens trabalhando em pedreiras. Rasgadas e sobrepostas, as imagens aludem à devastação da natureza. Ao lado, um ovo de pirita remete períodos geológicos primitivos. 

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